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ENTREVISTA DE DOMINGO

José Luiz Tahan, o livreiro que mantém viva a tradição da livraria de rua em Santos

Há 21 anos à frente da Realejo Livros, ele aposta no relacionamento com os clientes para fazer frente aos sites de compras

Por Alexandre Fernandes - Redação BS9

15/05/2022 - domingo às 00h15

Tahan sabe que só a paixão não basta para se manter nesse setor - (foto: arquivo pessoal)

Em uma coluna publicada no ano passado, no site da Relicário Edições, José Luiz Tahan contou um pouco de sua trajetória como livreiro, iniciada em 1990, na Livraria Iporanga, uma das tantas de Santos que já fecharam as portas. Num dos últimos parágrafos, o sócio-fundador da Realejo Livros revelou o incômodo que sente quando alguém lhe pergunta onde ganha dinheiro. Afinal, com tanta livraria de rua (e até de shopping) encerrando as atividades, por que só a dele seguiria em frente?

"Eu respondo, amigo, a livraria é onde tudo começou, onde erramos e acertamos todos os dias, é por ela, pela saúde dela que trabalhamos. Não me venha com esse papo de resistência, resiliência. Sou um livreiro porque gosto e porque acredito no negócio do livro", escreveu. Recado mais direto, impossível.

Agora, isso não quer dizer que ele não está nem aí para o mercado literário, cada vez mais dominado pelos sites de compras. Tahan sabe que só a paixão não basta para se manter nesse setor. Ao mesmo tempo em que se reinventa para fidelizar os clientes, ele continua investindo naquilo que nenhum robô do atendimento de uma Amazon ainda consegue oferecer: o relacionamento com os leitores. Isso sem falar nos títulos exclusivos que edita. Muitos deles, inclusive, contando histórias que se confundem com a da Baixada Santista.

É por causa desse diferencial que a Realejo Livros está há 21 anos com seu aconchegante espaço aberto para o público, na Rua Marechal Deodoro, no Gonzaga.

Nesta Entrevista de Domingo do Portal BS9, José Luiz Tahan fala disso tudo e mais um pouco. Analisa a "competição" entre o livro físico e o e-book, revela suas obras favoritas, comenta sobre a possibilidade de voltar a realizar em formato presencial a Tarrafa Literária, o já tradicional Festival Internacional de Literatura, que chega este ano à 14ª edição.

E explica no final por que ele, com toda essa relação de amor aos livros, nunca escreveu um. Boa leitura.

1 - A Realejo chega aos 21 anos. Dá para analisar como era o mercado de livros naquela época e hoje?
Eu trabalho há 32 anos no mercado de livros, na verdade, mas mesmo assim é um período curto para o livro e até para o mercado, se consideramos que o livro existe há séculos, desde o século XVI neste formato. Penso que o mercado se transformou mais a partir das mídias digitais e dessa aceleração, mas ainda é um oásis de permanência, pois o livro em si ainda é um objeto muito forte, que mudou pouco, sob esse aspecto.  

2 - A Realejo já vem resistindo em um mercado cada vez mais implacável. A pandemia agravou as coisas ou os desafios continuaram os mesmos?
Pelo contrário, a pandemia - apesar de ser uma péssima notícia para o mundo, e eu não gosto de glamourizar o sofrimento, nem dizer que "temos que tirar lições" dela - gerou um fenômeno curioso: o isolamento fez com que as pessoas redescobrissem a leitura. Talvez pelo andar do tempo ser diferente nesse período. E aí deixo uma provocação a respeito do nosso uso do tempo: acho que a chave dessa reconexão das pessoas com os livros é saber lidar melhor com seu tempo e com seus tipos de lazer. Acredito que a pandemia não agravou os desafios do mercado de livros, ela fez uma reconexão entre leitor e obra. O mercado tem seus problemas, claro - e eles permanecem, ainda mais no Brasil -, mas independentes da pandemia.

3 - O senhor começou como livreiro. Depois, passou a editar livros. O que o motivou a abraçar mais essa função?
Eu resolvi também ser editor por também começar a desenvolver um espírito critico. Não me bastava ser livreiro "apenas". Não é "apenas", claro. Mas acabei, com a minha característica de entender o mercado, a começar também a produzir os livros, a achar que havia também um lugar, um território para a Realejo também como editora, muito a partir da minha percepção como livreiro. Não deixo de ser livreiro. Sou livreiro e editor, as duas funções, juntas, uma em complemento à outra.

4 - Existe algum tema que o senhor ainda considera pouco explorado por escritores?
Hoje existem livros de todas as naturezas e segmentos. Mas acredito que talvez pudéssemos ter uma relação mais literária com futebol. O futebol, a exemplo do que fez o Nelson Rodrigues, com as crônicas, ou o próprio Xico Sá, também com crônicas, o Sérgio Rodrigues, com romance, acho que haveria mais espaço para que o futebol fosse entendido como literatura e como cultura, na ficção. E cito também aqui um dos livros mais espetaculares que eu li dentro desse tempo, do José Miguel Wisnik, "Veneno Remédio".

5 - Como livreiro e editor, imagino que o senhor tenha vários livros de cabeceira. Dá para selecionar alguns?
Vou citar alguns livros que eu adoro, são livros da vida: "Um, nenhum e cem mil", do Luigi Pirandello, nunca esqueço dele, é um livro transformador. Cito também Ítalo Calvino, "O Cavaleiro Resistente", as citações do Millôr Fernandes, as crônicas do Paulo Mendes Campos, gosto também de Nick Honrby e coisas da cultura pop, Lygia Fagundes Telles... Enfim, são muitos, mas esses são alguns que estão sempre na minha memória.

6 - Temos visto muitas mídias físicas perdendo espaço para as digitais. O livro físico ainda vai fazer frente ao e-book por muito tempo?
Se a gente pensar que o jornal tecnicamente é um diário; a revista é para uma semana ou um mês; o livro, por sua vez, não tem data de validade, ele é para sempre. E para sempre, também, para mim e para o mercado inclusive, o livro físico já deu todas as provas de força e de ser o melhor formato. Esse ímpeto em buscar formatos digitais, investir "zilhões" em dinheiro de marketing e readers, é para mim mais uma corrida para inserir o livro no mercado de tecnologia - e claro, eles são competentes e vêm para somar, mas não vêm para acabar com o livro. Acho que o livro é insubstituível e insuperável, a experiência da leitura do livro físico, o próprio mercado já diz isso: mais de 90% das pessoas preferem o livro físico.

7 - O que a Realejo tem feito para fidelizar o público? Fazer com que o leitor não recorra a um site de compras?
A Realejo, para se manter nesse mercado tão canibalizado, especialmente o brasileiro - e acho importante falarmos da lei do preço fixo, do preço comum do livro, que é aplicada na França, na Alemanha, na Argentina e em muitos países civilizados. No Brasil, porém, é uma selva. Não há regulamentação. A FNac fazia isso nos anos 1990, com 20% de desconto, a Amazon cria e destrói mercados, sem nenhuma regulação, sem nenhum freio. E isso é errado. Quem tem que abaixar o preço do livro é o editor, não o ponto final. Porque com isso a gente "mata" as livrarias. Mas eu faço esse discurso sempre, conto com a consciência do consumidor de livros para que ele defenda as livrarias, porque são lugares que teoricamente eles gostam de visitar. E então acho importante chamar a atenção para esta selvageria do mercado brasileiro, que "mata" o pequeno e favorece o grande. Aqui na livraria, crio a fidelização com muito relacionamento, atendimento, eventos literários, musicais. E atendendo com personalidade, opinião... Acho que a recomendação e a reputação são valores bem importantes para sacramentar a permanência de uma livraria como a Realejo.

8 - O senhor também organiza a Tarrafa Literária, que nos últimos anos foi realizada em formato virtual. Qual a expectativa para este ano?
A Tarrafa Literária está chegando à 14ª edição e acredito que faremos a edição presencial novamente. Será uma emoção muito diferente, mais forte que o digital. Mas é importante dizer que o digital nesse caso foi um aliado nesse tempo, afinal, que bom que também houve a chance de fazer o evento dessa forma, para não deixar um vazio para as pessoas e para os escritores. Mas faremos a Tarrafa de 16 a 20 de novembro, passando as eleições, em formato presencial. Ainda bem.

9 - Em todos esses anos lidando com livros o senhor nunca teve vontade de escrever um?
Volta e meia sou acometido com a vontade de escrever, sim, reunir meus textos, crônicas, artigos e causos vividos nestes 32 anos. Vou deixar esta pergunta em aberto, mas quem sabe em breve trago uma novidade para os amigos.

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