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Entrevista de Domingo

Comandante da PM Ambiental Marítima fala do combate à pesca ilegal

O capitão Fernando Burgos também fala sobre questões ambientais, como a aparição de baleias e o lixo no mar

Por Alexandre Fernandes - Redação BS9

17/10/2021 - domingo às 07h00

Segundo o capitão, só neste ano já foram apreendidos 53 km de redes de pesca em todo o litoral de São Paulo - (foto: divulgação/CiaMar)

Sempre que se fala em segurança pública, pensa-se primeiramente no combate ao crime em áreas urbanas. Mas uma região portuária e com abundância de animais marinhos, como a Baixada Santista, requer também um policiamento náutico mais ostensivo. E foi para atender a essa demanda que há exatos oito anos, no dia 17 de outubro de 2013, foi criada a 5ª Companhia de Polícia Militar Ambiental Marítima de São Paulo, também conhecida como CiaMar.
 
Essa unidade, subordinada ao 3º Batalhão de Policiamento Ambiental, tem como principais atribuições a prevenção e o combate aos crimes cometidos com uso de embarcações, a chamada pirataria, a fiscalização da exploração dos recursos pesqueiros e da exploração ambiental da zona costeira. Tudo isso em uma área de cobertura bem extensa. São 14 mil km2 do Oceano Atlântico, ao longo dos 622 km de costa do Estado de São Paulo, desde a divisa com o Rio de Janeiro até o limite com o Paraná, além do Parque Estadual Marinho Laje de Santos, que fica a cerca de 44 km da costa.
 
Nos últimos anos, a ação da CiaMar vem ganhando destaque pelo volume de apreensões de animais marinhos pescados de forma ilegal, assim como redes e outros petrechos. Em agosto, o Portal BS9 pediu à corporação um levantamento desses números apenas na zona costeira da Baixada Santista. Só de redes de pesca haviam sido recolhidas 147 (esse número já aumentou). Mesmo assim, a quantidade era maior do que as 122 apreendidas em todo o ano de 2020.
 
Nesta Entrevista de Domingo, o comandante da CiaMar, capitão Fernando Burgos Garcia, falou um pouco sobre o combate à pesca ilegal e a ação social da corporação de destinar os pescados apreendidos a instituições filantrópicas das cidades do Litoral. Abordou também outras questões ambientais, como a crescente aparição de baleias na região e o volume de lixo no mar, nas praias e nos mangues.
 
1 - A CiaMar completa oito anos de atividades em outubro. O que houve de avanços de lá para cá?
Realmente, fazemos parte desta data comemorativa e muito nos orgulha pertencer à Polícia Militar Ambiental Marítima. Com excelentes resultados e grande evolução operacional, esta unidade especializada de polícia, a 5ª Companhia do 3º Batalhão de Policiamento Ambiental, comemora seu aniversário e seus avanços são percebidos por todo efetivo e pela população paulista. Os comandantes que por aqui passaram deixaram seu legado. São anos avançando em treinamento especial nas diversas áreas do conhecimento humano, sobretudo no ambiente marítimo. Importante citar a melhoria de meios de trabalho, como reforma e aquisições de embarcações com novas motorizações, equipamentos de segurança, navegação com mais tecnologia, atividades de inteligência e equipamentos empregados em todo o processo de polícia, entregando um serviço de excelência à sociedade.
 
2 - E qual, na sua opinião, tem sido o grande desafio da corporação?
Os desafios da nossa unidade são os mesmos desafios de todas as forças de segurança: entregar ao cidadão de bem um serviço cada vez melhor, cada vez mais técnico e profissional, de qualidade, promovendo a proteção social. Mais especificamente para nós, entregar esse serviço para o bom pescador, aquele que pesca corretamente, seguindo toda legislação pesqueira e demais normas vigentes. Que pesca com consciência, que clama por uma fiscalização ao mau pescador, aquele que pratica a pesca ilegal e/ou predatória, sem a carteira de pescador, sem licença da embarcação, com petrecho não permitido, em local proibido, espécies ameaçadas de extinção, no defeso etc.. Esse é o nosso grande desafio, lutando diariamente para preservação dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações, como traz nossa constituição federal.
 
3 - Este ano já foram apreendidos 270 redes e 50 km de petrechos em todo o Litoral. É mais do que o total do ano passado. A fiscalização aumentou ou tem mais gente praticando pesca ilegal?

Com relação às apreensões, vou até atualizar os números aos leitores. De janeiro a setembro deste ano, apreendemos e doamos 87 toneladas de pescado, 303 redes de pesca, equivalendo a 53 km de extensão e mais de 500 outros petrechos de pesca. Realmente aumentamos significativamente os números em relação ao mesmo período do ano passado. Inclusive, em relação às redes de pesca, já é maior que todo o ano de 2020 e o pescado apreendido segue para o mesmo resultado. Não serei leviano em afirmar que aumentou a pesca ilegal, mas posso afirmar que estamos realizando um trabalho bem forte no planejamento das nossas ações de policia e fiscalização de pesca, saturando locais de grande interesse pesqueiro, unidades de conservação, realizando Policiamento Ostensivo e Preventivo Náutico diuturno em todo litoral. As atividades DEJEM (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar) em unidades de conservação têm aumentado nosso efetivo diariamente na água. E isso reflete na quantidade de flagrantes de pesca, sejam infrações administrativas ou crimes ambientais, e, consequentemente, no número de apreensões. Então, o que posso afirmar é que nosso trabalho está sendo feito com maestria, com policiais comprometidos com a causa ambiental, nos desdobrando para manter nossas embarcações e viaturas quatro rodas funcionando, em prol da coletividade.
 
4 - Pescadores artesanais se queixam de que há muitas limitações para a pesca de peixes de superfície com rede de emalhe. Segundo eles, isso criminaliza uma tradição caiçara. Como o senhor vê essa questão?
Com relação a essa questão, não sou uma autoridade técnica a ponto de dar algum parecer referente aos diversos tipos de redes e métodos de pesca para afirmar se há efetividade ou não nas restrições impostas nas legislações pesqueiras, que são elaboradas após longos estudos técnicos por parte de grupos de especialistas, órgãos correlatos, comunidades pesqueiras, etc.. Como é o caso recente da suspensão temporária dos artigos 2° e 3º da Instrução normativa 166, que proibia a utilização da rede de superfície, cabendo à policia a fiscalização e cumprimento das normas estabelecidas. Posso afirmar que nosso efetivo presencia diuturnamente nas águas, bem como em reuniões, fóruns e demais participações em políticas públicas, o esforço de Estado em ajudar os pescadores artesanais. Percebemos que juízes, promotores, cientistas, instituto de pesca e outros estão indo até estes pescadores, ouvindo esses trabalhadores, principalmente as comunidades caiçaras, fazendo um bom trabalho de base, entendendo a real necessidade, buscando uma solução por parte do Estado, para que todos sejam ajudados, respeitando as leis ambientais.
 
5 - Uma ação bacana da CiaMar é de destinar os pescados apreendidos a entidades beneficentes. Desde quando isso vem sendo feito? Existe algum critério na escolha das instituições?
Realmente é algo bem legal para as pessoas que estão recebendo, sejam famílias carentes, abrigadas, em situação de vulnerabilidade ou até de situação de rua, assistidos pelos Fundos Sociais de Solidariedade dos municípios ou as mais diversas instituições filantrópicas de todo o litoral de São Paulo. As doações são realizadas desde as primeiras fiscalizações e apreensões de pesca realizadas no Estado, sendo uma ação regulamentar, prevista e amparada legalmente. As doações são feitas prioritariamente aos Fundos Sociais. Porém, nem sempre os mesmos estão disponíveis para retirar o pescado, ou por falta de veículo, local para armazenar, etc.. Neste caso iniciam-se os contatos em lista de instituições devidamente cadastradas, mantendo um rodízio entre as entidades, com o intuito de beneficiar a todos por igual, dependendo da região, quantidade de pescado, horário, e outros. Com as doações, conseguimos inclusive sensibilizar o pescador infrator, que entende que cometeu uma falha, e, claro, será punido conforme a legislação vigente, mas que vê ali o fruto da pesca ilegal, irregular ou predatória, alimentando em alguns casos, até milhares de famílias. Lembro de uma ocorrência de pesca irregular em Guarujá, na época de Páscoa deste ano, onde 18 toneladas de peixes foram apreendidos e doados, onde muitas pessoas carentes recebiam sua parcela de pescado chorando e agradecendo, pois não tinham o que dar aos seus filhos naquele dia. Já tivemos ocorrências com 60 toneladas de pescado, que foram doados em uma ação complexa que perdurou por dois dias. Mas é muito gratificante ver o resultado final, os relatos, os agradecimentos, fazendo assim o papel social da instituição.
 
6 - Neste ano temos visto uma grande quantidade de baleias na Baixada Santista. Em julho, inclusive, a CiaMar teve de escoltar uma jubarte que havia entrado no canal do Porto de Santos. Essa é uma questão que preocupa o senhor?
Acredito que isso seja uma preocupação de todos. Nós nos preocupamos e temos uma admiração pelos cetáceos, sobretudo as grandes baleias. Nossa preocupação é em relação a acidentes com navios e demais embarcações no canal do Porto de Santos, navegadores, desportistas e banhistas ao longo da costeira e praias, devido ao grande tamanho destes animais, podendo resultar em acidentes graves e até fatais. Outra preocupação é com relação com o bem estar do animal, que além de se ferir em hélices de embarcações ou abalroamento, pode ainda se enroscar em redes de pesca. Como foi o caso da baleia jubarte adulta emalhada em um quilômetro de rede de pesca armada no interior do Parque Estadual Xixová-Japuí, em Praia Grande, em 22 de julho deste ano, ocorrência inédita até então na história da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Nossa equipe conseguiu, após uma hora de esforços, desemalhar a baleia, utilizando técnicas adquiridas em treinamentos constantes. Cabe ressaltar que existe legislação específica para preservar o bem estar destes animais em seu habitat natural, incorrendo em crime ambiental quem molestar cetáceos. Esta é outra preocupação nossa. Sempre que recebemos relatos de avistamento de cetáceos, nossas equipes se deslocam para garantir que as embarcações estão seguindo as normas de interação com cetáceos, orientando quanto às diversas restrições, principalmente quanto ao distanciamento mínimo deste animais.
 
7 - A PM Ambiental Marítima participa de várias ações de limpeza de praias e do mar. O senhor tem notado um aumento da quantidade de lixo nesses lugares?
O que nós percebemos é que temos uma região com muitas comunidades subdesenvolvidas no entorno da Ilha de São Vicente e da Ilha de Santo Amaro, com moradias em palafitas, sem o mínimo de saneamento básico. Consecutivamente, há o descarte irregular de resíduos residenciais, que posterior se acumula em alguns pontos de toda a Baixada Santista, principalmente em manguezais, locais estes que fiscalizamos diariamente com vistas à preservação daquele bioma, sobretudo do caranguejo-uçá. O lixo descartado irregularmente também se acumula em praias e costões rochosos, locais de difícil acesso, fora o que segue pelo oceano, como é o caso do plástico, o grande vilão da fauna marinha, causando a mortandade de várias espécies que, ao se alimentar, confundem este resíduo com algas marinhas. O meio ambiente, seja no mar ou na terra, é como nossa casa. Temos que manter limpo, e isso é um trabalho de conscientização diário muito dificultoso. Todo resíduo no meio aquático afeta também na qualidade da pesca. Se você perguntar para qualquer pescador ele vai confirmar que há muito lixo, a cada arrasto de rede, sempre virá resíduo junto e isso reflete diretamente no que consumimos. Um grande amigo meu, o doutor Camilo Seabra, biólogo, é um grande estudioso na questão de lixo no mar, e é de se surpreender com a quantidade de drogas e fármacos encontrados nos oceanos.
 
8 - A CiaMar também atua no combate aos piratas que atuam tanto no Porto como no ataque a tripulações de embarcações de pequeno porte. Tem havido muitas ocorrências na região da Baixada Santista?
A prevenção é nossa função constitucional e trabalhamos forte nisso, coibindo novos ilícitos por água, tendo excelentes resultados. Os crimes por água, em específico os roubos, a chamada pirataria, são muito sazonais. Porém, é notória sim a diminuição destes crimes nos últimos anos, seja de embarcações, motores, aparelhos de navegação, pertences dos tripulantes etc. desde a criação desta modalidade de policiamento náutico, a criação da Polícia Marítima de São Paulo em 2013. Mesmo quando ocorrem, conseguimos dar uma resposta em um curto espaço de tempo, recuperando o bem furtado ou roubado, localizando os criminosos, apoiando as vítimas em situação de risco após os crimes. Já houve alguns casos em que os criminosos jogaram as vítimas na água, alguns inclusive sem os coletes salva-vidas. Mas com a ação rápida do nosso efetivo na água, temos sempre desfechos positivos, auxiliando inclusive a desincentivar novos ilícitos na água. Outro fato que corrobora para a diminuição da pirataria são as inúmeras operações em conjunto com as forças de segurança federal, como a Marinha do Brasil, através do Comando do Grupamento de Patrulha Naval do Sul-Sudeste, da Polícia Federal, por meio do Núcleo Especial de Polícia Marítima, da Receita Federal, com efetivo da Divisão de Repressão da Alfândega de Santos e demais órgãos. Isso tudo só comprova a efetividade do serviço executado por nós e a necessidade de dar continuidade investindo em melhorias em prol da população.
 
9 - O senhor já tem anos de experiência. Tem algum caso específico que o senhor considera marcante?

Realmente, já são 18 anos na corporação, muitos cursos e estudos relacionados ao meio náutico e recentemente no comandamento desta unidade especializada em policiamento marítimo, que conta com ocorrências das mais diversas naturezas e cada uma mais marcante que a outra. Claro, há as ocorrências atípicas que acabam marcando, como a já citada inédita soltura da baleia emalhada em rede de pesca, que acaba marcando não só a história desta companhia como todo efetivo, aliado ao fato do envolvimento emocional de toda sociedade que acompanhou a ação. Com frequência nos deparamos com outros animais enroscados ou debilitados, e cada soltura ou resgate é sempre marcante. Há as ocorrências criminais, recuperando o bem subtraído da vítima, e vemos nos olhos da pessoa a alegria de receber de volta algo que conquistou com muito custo. Grandes apreensões, entorpecentes, armas, procurados da justiça, retirando criminosos do convívio da sociedade, também são marcantes. Apoios às embarcações em temporais, panes, à deriva, naufrágios etc. são sempre ocorrências complexas que podem durar dias de buscas. E é levado a sério qualquer pedido de ajuda que chega até nós. Outro fato inédito na unidade foi o resgate de um homem que caiu de paramotor em área de mangue, às margens do canal de Bertioga. Ou seja, cada apoio, cada resgate, cada salvamento, cada ação nossa que resulte em salvar vidas fica marcado em cada um de nossos policiais, isso eu posso garantir.

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