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Clau Moreira Ramos - Trabalha com políticas culturais e nas horas vagas escreve sobre o que vê e sente

Clau Moreira Ramos

23/12/2021 - quinta às 18h07

Por esses dias, uma jovem e brilhante executiva que conheço comentou uma tristeza. Tinha mediado um qualificado debate online em sua área de atuação, mas a primeira repercussão que ouviu dizia do estranhamento quanto a seu cabelo estar molhado. Dezenas de pessoas depois elogiaram a competência da moderação, mas a fala do colega sobre o cabelo calou fundo. Ela precisou recorrer ao Google para entender melhor a crítica e descobrir algo que nós, veteranas da exposição no ambiente de trabalho, já conhecemos bem: quando algum aspecto da sua aparência é usado para desqualificar ou sombrear o seu desempenho. No caso, cabelo molhado é associado a desleixo ou a uma escapadela até um motel no meio da jornada de trabalho. Por extensão: mulher de cabelo molhado em live quer dizer preguiça e desmazelo ou exacerbação da sexualidade para o espaço profissional.
 
Isso acontece com homens? Olha, pode até acontecer, mas é muito mais raro e a chance de haver uma carga de recriminação nisso é mínima. Alguém pode ponderar que é porque homens geralmente têm cabelo curto, que seca rápido. Ou lembrar que os homens são também vítimas de preconceitos de aparência, quando fogem do visual “esperado” da moda da vez. Isso apenas significa que alguns homens também precisam encontrar formas de superar esses preconceitos para se fazer respeitar.
 
No caso das mulheres, o constrangimento não é exceção e mudar isso é uma necessidade que fala de um preconceito naturalizado, que é maior, mais ostensivo e causa danos enormes há tempo demais. No fundo, continuamos tendo um contingente enorme de pessoas (inclusive mulheres, infelizmente) que continua exigindo um enquadramento da condição feminina a determinados estereótipos que é preciso reconhecer e rechaçar. Simplesmente porque nós não “temos que...” nada. Ninguém tem; ninguém deveria ter imposições ou obrigações, para além dos deveres de cada pessoa numa democracia cidadã – deveres que cabem a todos e todas e que precisam sempre ser acompanhados dos devidos direitos de cada uma e de cada um.
 
Mas é mais que isso. Há também aí uma forma de dominação, de subjugação que se esforçará por encontrar maneiras de colocar em xeque o brilho de qualquer uma que se destaque, num ambiente até então predominantemente ocupado por homens. Aí vale o que estiver à mão. Se for jovem e bonita, só conseguiu estar ali por causa do sexo (ou de sexo...); se for feia, é caridade. Se for negra, é cota. Se for branca, é a elite se reproduzindo. Seu cabelo está molhado? Desleixada ou libidinosa.
 
Farão diversos discursos sobre igualdade e elogios públicos à competência dela, enquanto os bastidores e salões se fartarão de comentários desabonadores, desaprovando ou fazendo chacota de qualquer coisa que possa servir para desmerecer a mulher que ousa ocupar um espaço de maior visibilidade profissional. Vale apelar para o peso, o estilo de se vestir, o sotaque, tom de voz, a maneira de gesticular... é incontável a profusão de possibilidades de ofender.
 
Precisamos estar atentas e atentos a isso por várias razões. Primeiro, porque não é certo, não é natural, não é engraçado. (Quando tiver dúvida se uma ponderação como esta é excesso de zelo politicamente correto ou um comportamento que realmente deve ser evitado, basta se colocar de verdade no lugar da pessoa. Se falassem aquilo de você ou para vocês estaria tudo bem? Aí fica fácil perceber: mesmo que pareça ser algo para fazer rir, se machuca a outra pessoa, não é legal.)
 
Mais que isso: esses clichês ultrapassados minam as bases de uma sociedade mais respeitosa e solidária. Se queremos ser melhores como povo, precisamos ser pessoas melhores também. A gente fica falando “o brasileiro isso, a brasileira aquilo” e esquece que nós também somos essas pessoas. Com todo o conhecimento disponível, não há mais desculpas para reproduzir comportamentos levianos e ofensivos.
 
Por fim, é sempre melhor e mais efetivo quando essa sensibilidade é aprendida por meio do exemplo, do diálogo e da empatia – o exercício que te faz calçar as sandálias do outro, se colocar no lugar de alguém. Contudo, se isso falha, medidas mais efetivas podem e precisam ser tomadas. Todos precisamos compreender que não há mais espaço para preconceito, humilhação e violência emocional num país que quer ser digno e bom para todas as pessoas de verdade.
 
As pessoas que reclamam de como o mundo está chato, porque não podem mais fazer piada com “esses assuntos” (mulheres, negros, gays etc.) precisam compreender que essa risada causa dor, assim como a “dica” difamatória sobre se vestir melhor, usar os cabelos de outro jeito e que tais. Durante muito tempo, a dor da exposição foi usada para domesticar, enquadrar, amansar, submeter, ofender, desqualificar e entristecer mulheres (e também homens, mas sobretudo mulheres) mundo afora. Essa mesma dor da exposição que oprimiu tanta gente também pode ensinar muita coisa aos velhos cristalizados opressores. Pode ensinar, por exemplo, que difamação e preconceito não têm graça e pode custar uma advertência, um emprego, uma multa. Enquanto as pessoas não se tocarem que machucar o outro não é legal, é preciso que suas pequenas violências não fiquem mais impunes. 
 
Se você conhece gente assim, converse, procure ajudar a perceber o mal que isso faz. Preste também atenção em você; no outro. Os gestos e palavras fazem toda a diferença. O verdadeiro cuidado e a verdadeira decência começam pelo respeito.
 
Boas festas e que possamos ser, neste 2022 que se avizinha, pessoas mais cuidadosas e mais decentes umas com as outras. O ano novo tem mais chance ser melhor, se a gente for melhor também.
 
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal BS9

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