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Essa brava gente brasileira!

Maurício Juvenal - Jornalista, especialista em Pesquisa Social e mestre em Letras

Maurício Juvenal

07/09/2021 - terça às 00h00

Fui buscar no dicionário a inspiração inicial para a redação desse artigo que, por sorte ou azar, é publicado hoje, 7 de setembro, quando se “comemora” 199 anos, quase dois séculos, da proclamação da Independência do Brasil, às margens do Ipiranga. Tudo meio romance-político-histórico. E só.

Substantivo feminino, por independência entenda-se o estado, condição, caráter do que ou de quem goza de autonomia, de liberdade com relação a alguém ou algo. Pode ser entendido também como o caráter daquilo ou daquele que não se deixa influenciar, que é imparcial.

Pois então: o quanto cada um de nós é verdadeiramente independente?

É claro que essa é uma resposta pra lá de difícil. Já nascemos dependentes das relações. De modo clássico, a filosofia meio que define o homem como um ser dependente e associativo. No primeiro plano, quer fazer referência à relação de interdependência que estabelecemos, uns com os outros – é verdade que uns mais que outros – em função da condição de seres humanos.

No segundo, que os vínculos que se formam derivados dessa relação é que vão compor o jeito básico e os valores que vão dar o tom da nossa existência, que vão reger a nossa vida.

Independência nua e crua, portanto, neca de pitibiriba. E há tanta gente que teima em reconhecer isso e, em geral, em nome de uma suposta liberdade de ser, de exclusivamente controlar sua própria vida, de sentir que não precisa de nada e de ninguém para alcançar seus próprios objetivos. A má notícia: por mais que os animadores sociais digam o contrário, liberdade individual e plena, não existe.

Ora, nós dependemos de tudo e de todos o tempo todo e para quase tudo. Reconhecer isso não só facilita o processo da existência como dói menos, bem menos. O pior é que eu mesmo, na condição de pai de três crianças do cacete, daquelas que é impossível não se apaixonar, tenho erroneamente trabalhado no viés de torná-los independentes, ou seja, de proporcionar um nível de qualidade de vida, presente e futuro, que a eles empreste autonomia.

Desenhei a fórmula, preparei a equação, reuni os fatores e acreditei piamente que estabilidade mais qualidade de vida era igual a autonomia, essa por sua vez equivalente a independência. Tudo lindo e maravilhoso e pronto. E ponto.

Ponto não, vírgula. Um tal de coronavírus apresentou para mim e para o mundo, em fevereiro ou março do ano passado, uma outra equação, perversa. Algo mais ou menos assim estava estampado em uma matéria do jornal Folha de São Paulo: “Os primeiros casos contaminaram de duas a três pessoas. Agora a progressão é geométrica, não tem jeito. É um para dois, dois para quatro, quatro para oito, oito para 16”.

Com a mesma força de um soco no estômago, o que vimos a partir daí foi o fato de que mais do que nunca vivemos todos, e sobrevivemos, juntos e misturados. A autonomia dos meus filhos – e consequentemente a liberdade – foi colocada à prova quando na prática já não se podia mais nada, a não ser o isolamento social. E antecipo que não há qualquer contradição nisso.

A pandemia nos trouxe, sim, esse tal confinamento, mas trouxe sobretudo a realidade mais original do mundo que a da interdependência das relações humanas e em seus muitos e diferentes estágios. Ao ter que me proteger de você, com máscara, álcool gel e o escambau, eu tive que, ao mesmo tempo, me preocupar com você, exigir que por respeito às relações e ao bem de todos, de todos e não só o meu, você também se protegesse de mim, da minha tosse, do meu espirro, da minha pele.

Muitas vezes de casa, assistimos um exército de abnegados profissionais da saúde desenvolvendo o exercício do associativismo social na prática, ou seja, anjos em forma de pessoas reunidos com o objetivo de salvar, de curar, de superar o desafio, de vencer a batalha. Sabe a história da minha vida em suas mãos? Eita brava gente brasileira.

O propagado novo normal simplesmente não existe, não se consolidou e ouso dizer que nem necessário ele se faz. O novo normal é o de sempre, ou que deveria ser o de sempre. Da vida que gera vida, do leite materno que empresta vida, da ausência de autonomia nas idades iniciais que nos força, para nos mantermos e nos desenvolvermos e explorarmos o espaço, a construirmos relações, primeiramente no bojo familiar e, depois, na depressão do mundo, onde interagir é condição irrefutável para garantir desenvolvimento pessoal.

E como seres afetivos que somos, e somos, a grande verdade é que nos tornamos indispensáveis, essenciais, uns aos outros e até naquilo que nos influencia, ou que influenciamos no outro. Autonomia? Independência? Estão longe de ser possíveis, plenas. O bom e bem existir reside exatamente na volatilidade da vida, numa espécie de fluidez aleatória que impõe que algo que é hoje, pode simplesmente não ser mais nada amanhã. Inclusive nós mesmos. Somos só o produto das relações e interações cotidianas, portanto somos o presente. Lembrete: que se modifica numa fração de segundo.

Soltemos ora pois o grito: independência na dependência!

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