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A castração química no Brasil

Renato Luiz de Jesus - Advogado, empresário e professor universitário, mestre em Direitos Difusos e Coletivos

Renato Luiz de Jesus

21/08/2021 - sábado às 16h03

Você já ouviu falar em castração química em seres humanos?

Sim, ela existe em alguns países no mundo e já foi pensada a sua introdução aqui no Brasil.

Vamos falar um pouco sobre o que é e sobre a possibilidade jurídica dessa metodologia de combate aos crimes sexuais aqui em nosso país.

Pois bem, a castração química, também conhecida por tratamento hormonal ou terapia antagonista de testosterona, consiste na aplicação de hormônios antiandrógenos no homem, objetivando inibir a produção do hormônio testosterona de tal sorte que provoque a redução na libido e controle o desejo e os impulsos sexuais de delinquentes sexuais masculinos a ela submetidos.

Quem advoga na defesa da castração química justifica o método alegando que a quantidade de testosterona presente no organismo dos delinquentes sexuais masculinos determina suas condutas. Noutras palavras, por uma questão hormonal o delinquente não consegue se conter ou se autodeterminar.

Historicamente verifica-se que as formas de punição dos crimes sexuais guardam relação com o momento do processo civilizatório do povo. Já ouve um tempo em que os castigos eram físicos, com, por exemplo, a ablação dos testículos.

Ainda numa viagem pela história, encontramos na antiguidade o método da castração como forma de punição aos vencidos em guerras. Nestes casos, o povo vencido tinha seus órgãos genitais retirados e ofertados aos deuses.

Mais adiante, vimos a castração para criação dos eunucos, vimos reis castrando serviçais domésticos responsáveis por cuidar de suas esposas e filhos, noutro canto do mundo jovens por motivos religiosos eram castrados gerando a figura dos “castrati”, enfim, são vários os exemplos.
O fato é que, no mundo moderno, a castração é tratamento médico utilizado para combater o câncer testicular ou de próstata.
Sempre atual, o tema da castração química é igualmente polêmico.
 
Países como Alemanha, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha aprovaram em seu ordenamento jurídico a instituição da pena da castração química, sendo que, em alguns países, a castração química era empregada de forma facultativa e, outros, prevendo a obrigatoriedade da medida.

Aqui no Brasil, embora diversos projetos de lei tenham objetivado a instituição da castração química como forma de punição para crimes sexuais, o tema deve passar necessariamente por uma análise constitucional.

Olhando o tema por esse prisma, acompanho o entendimento da esmagadora maioria dos pensadores jurídicos pátrios que argumentam pela impossibilidade desse tipo de pena em nosso ordenamento jurídico, visto que, o texto constitucional, como norma estruturante de nosso Estado, veda as chamadas penas cruéis, como tortura, pena de morte, pena perpétua...

Evidente que a castração química carrega em sua essência a crueldade de afetar a dignidade humana do apenado e, como todos sabem, a dignidade humana é um princípio fundamental em nosso Estado Democrático de Direito, representando verdadeiro axioma jurídico que erradia efeitos por todo o ordenamento.

Noutro artigo, podemos discutir especificamente o conteúdo da expressão “dignidade da pessoa humana”, mas, por hora, basta compreender que esse princípio não pode e nem deve ser arranhado, de tal modo que, ainda que tenhamos vários outros argumentos, esse basta e é suficiente para espancar a possibilidade de castração química no Brasil. É exatamente por isso que todos os projetos de lei que objetivaram implantar a castração química no Brasil não foram bem-sucedidos.

Assim, por afetar a dignidade da pessoa humana e se caracterizar como uma pena cruel, a castração química não é possível em nosso ordenamento jurídico vigente.

Discutindo a castração química: perfil psicológico do abusador sexual
Sabe-se que, entre os atos de abuso sexual, os que causam maior espanto à sociedade referem-se àqueles cometidos contra crianças e adolescentes. Neste caso, o abusador sexual pode ser diagnosticado como portador de pedofilia.

Designa HOLMES:
“Pedofilia refere-se à atração sexual por crianças (ped tem origem grega e significa “criança”). Na maioria dos casos de pedofilia a criança tem menos de 13 anos (pré-púbere) e o indivíduo molestador é um homem de 16 anos ou mais (póspúbere). (...) As atividades encetadas pelo molestador de crianças incluem despir a criança e olhá-la, expor-se para elas, masturbar-se na sua presença, acariciá-las, engajar-se em sexo oral com a criança e penetrar-lhe a vagina, a boca ou o ânus com os dedos ou com o pênis”.

Para que um indivíduo seja considerado pedófilo, devem ser cumpridos determinados requisitos, segundo a DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação de Psiquiatras Americanos), em seu eixo IV. Especifica-se:

A. Ao longo de um período mínimo de 6 meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com idade inferior a 13 anos).

B. As fantasias, os impulsos sexuais ou os comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

C. O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos cinco anos mais velho do que a criança ou crianças no critério A

Sabemos que a generalização do termo pedófilo é errônea. Com efeito, raramente os autores de crimes sexuais são considerados clinicamente pedófilos, tratando-se, na maioria das vezes, de agentes que se aproveitaram da vulnerabilidade da vítima.

Discussão: efetividade do método
A castração química não é definitiva, estando caracterizada pela reversibilidade. Nos ordenamentos jurídicos onde a sua administração é prevista, o agressor sexual deve se apresentar regularmente ao médico designado para a aplicação das injeções no prazo estipulado.

Salienta-se que a castração química pode ser eficaz em impedir a prática de crimes sexuais enquanto o indivíduo está sob a sua administração, no entanto, havendo a interrupção do tratamento, o desejo sexual retornará a estar presente e o hormônio testosterona regressará ao seu nível anterior.

Diante disso, encontra-se dificuldade no tratamento o fator da obrigatoriedade da administração dos inibidores hormonais, uma vez que, caso a apresentação regular não seja obedecida pelos indivíduos, pode, ainda, levar os delinquentes ao aumento da produção da testosterona, provocando, inversamente, uma maior incidência na prática de crimes sexuais.

Além do mais, não se sabe até que ponto obrigar um indivíduo à administração de hormônios femininos pode ser benéfico à sociedade, tendo em vista que a reabilitação do condenado depende muito mais do que o excesso de produção do hormônio testosterona, como fatores culturais, educacionais e psicológicos.

Constata-se, assim, que, segundo as pesquisas e estudos, mesmo em homens fisicamente castrados, não houve qualquer alteração na redução do apetite sexual e cessação dos atos sexuais por eles praticados. Fazendo uma analogia à castração química, tampouco a administração de inibidores hormonais acarretaria, necessariamente, a redução do desejo e da violência sexual.

Além disso, por apresentar componentes psicossociais e comportamentais, a castração química impede a ereção peniana, mas não impede que crimes sexuais sejam perpetuados pelo condenado, acarretando outras várias formas de violência sexual, tão graves quanto a própria penetração peniana. Sabe-se que a violência sexual não está essencialmente fundamentada na satisfação de um desejo, e não se refere, em todas as situações, em um excesso hormonal.

Agrava-se aos demais argumentos o fato da aplicação do acetato de medroxiprogesterona em homens poder deixar sequelas como: falha na irrigação do pênis e na ereção, frustrando o orgasmo (de forma permanente, mesmo após a descontinuidade da medicação), perda óssea, aumento de peso, hipertensão arterial, mal-estar, tromboses venosas e arteriais superficiais e profundas, fadiga, hipoglicemia, ginecomastia, depressão, atrofia da genitália masculina e até mesmo no câncer hepático.

Concluindo
Desde os primórdios da história, a castração física foi uma forma de punição a crimes sexuais e não sexuais. Na década de 90, foi introduzida em muitos países da América do Norte e Europa a chamada castração química, isto é, a aplicação de antiandrógenos masculinos a fim de bloquear a libido de criminosos sexuais masculinos. Esse procedimento acontece como condição para que esses criminosos voltem ao convívio social depois de cumprirem pena. Esse método nunca foi empregado de forma obrigatória pelo Estado brasileiro, porém a discussão de sua utilização reacende sempre que novos casos de abusos sexuais repercutem na mídia, especialmente quando são cometidos contra menores de idade.

É fortemente defendido em nosso país que a castração química, como forma de punição aos delinquentes sexuais, imposta coercitivamente pelo Estado e sem o consentimento do indivíduo, torna-se totalmente contrária aos fundamentos da República Federativa do Brasil. Por outro lado, ultrapassada a discussão constitucional, examina-se se poderia o indivíduo, por sua própria manifestação de vontade, optar por se submeter à castração química.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é inerente a toda e qualquer pessoa humana, vedando-se a sua relativização, sendo até o maior dos criminosos igual em dignidade e reconhecido como ser humano.

O exercício voluntário da castração química, como ferramenta médica de tratamento ao pequeno número de portadores de patologia psiquiátrica- pedofilia, baseado nos critérios pelo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação de Psiquiatras Americanos), em seu eixo IV, associado ao consentimento informado do indivíduo, como forma de alcançar sua dignidade, não inviabiliza a aplicação das garantias protegidas constitucionais, ao revés, as legitima.

Acredito que a castração química, apesar de suas limitações, isto é, mostrar-se como método irreversível se descontinuado e poder trazer uma série de efeitos colaterais físicas e emocionais a longo, médio e curto prazo, ainda é uma ferramenta útil ao pequeno universo de pacientes que sofrem do transtorno pedófilo. Sua administração, assim como as possibilidades dos efeitos colaterais devem ser esclarecidas e consentidas, asseguradas juridicamente por termo de esclarecimento pela equipe de reabilitação responsável.  Além disso, esse paciente dever-se-á receber tratamento multidisciplinar médico clínico, psiquiátrico, e acompanhamento psicológico individual e familiar.

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