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DOCUMENTÁRIO

'As Linhas da Minha Mão' é belo melodrama feminino em processo

Viviane tem, também, transtorno bipolar desde 2003 e integra, como atriz, o grupo de criação e pesquisa Sapos e Afogados, de Belo Horizonte, cujo foco é expandir o significado da arte e integrar socialmente as pessoas com distúrbios mentais

da Folhapress/Paulo Santos Lima

23/04/2024 - terça às 00h01

Neste documentário de 2023 temos, no melhor sentido do termo, o melodrama de uma forte mulher - Reprodução

A exatos 46 minutos de "As Linhas da Minha Mão", surge na tela a imagem deslumbrante de Viviane de Cassia Ferreira, empunhando um guarda-chuva, numa situação entoada pela sensível e meio johncoltraneana "Quiromancia", do mineiro Rakkaus Duo.

É uma cena forte, quando já sabemos muito sobre o que ela passou na vida, entre amores, dores, alegrias e melancolias. Esse instante é uma confluência de tudo que está em jogo neste belíssimo filme de João Dumans.

Viviane, que também se autodenomina Vivi, Viva e até Laura, é uma derivação de si própria, entre memórias, relatos objetivos, sábias constatações vindas pela emoção e pela razão.

Viviane tem, também, transtorno bipolar desde 2003 e integra, como atriz, o grupo de criação e pesquisa Sapos e Afogados, de Belo Horizonte, cujo foco é expandir o significado da arte e integrar socialmente as pessoas com distúrbios mentais. Sua sabedoria e seus sonhos vêm, então, do drama.

A fluência de suas íntimas declarações sobre o que a exaspera e o que a encanta lhe dá um alto status como personagem de cinema. Principalmente no documentário, mais especificamente o inaugurado por Eduardo Coutinho com "Santo Forte". O entrevistado, com seu desembaraço diante da câmera, teria ali uma força dramática tal a de um performer.

Se todos os grandes documentários parecem devotos de Coutinho, não seria diferente aqui. O que não é nenhum demérito, pois o filme de Dumans tem muito a ver com a obra-prima "Moscou", de 2009, onde Coutinho se volta mais para o processo e as consequentes descobertas.

É justamente essa ideia de filme-processo que faz de "As Linhas da Minha Mão" um forte filme sobre a busca de uma equipe de artistas de cinema em descobrir a melhor imagem para falar sobre algo -no caso, a história de Viviane de Cassia Ferreira.

O que surge de incrível nisso é que o filme de fato -o que entendemos como filme narrativo- em tese começa na sequência final, quando Viviane aparece numa performance de palco. Daria para traçar a história de uma mulher, no caso Viviane de Cassia Ferreira, por imagens da própria Viviane, da atriz em busca de sua atuação -e também de si mesma- à artista fazendo sua personagem no palco, na performance "Moto-Contínuo".

Importa muito lembrar que Dumans, que dirigiu "Arábia" com Affonso Uchoa, repete aqui sua particular afinidade pela narrativa. No filme de 2017, a descoberta de um diário calçava a longa e emocionante história de um operário. Agora, neste "As Linhas da Minha Mão", em águas documentais mareadas pela consciência de performance que só os atores têm, encontramos uma mulher real falando de si.

Ficção, esse belíssimo filme era uma espécie de saga proletária. Neste documentário de 2023 -hibridizado pela ficcionalidade de Viviane, importa lembrar-, temos, no melhor sentido do termo, o melodrama de uma forte mulher. Não há, assim, como dissociar a estrutura do filme do "enredo".

E a seleta de assuntos e buscas que ocorre ao longo do filme firma a soma de peças que se juntam numa espécie de Lego a ser armado -no caso, "quem é a mulher e atriz Viviane de Cassia Ferreira".

Não à toa, a estrutura se afina à do teatro, em sete atos e contando com a trilha de cordas rascantes do O Grivo e uma espécie de ensaio fotográfico, com imagens capturadas pelo diretor e pelo artista visual Desali, reunindo a matéria humana na cena noturna de Belo Horizonte.

Esse tema, aliás, reforça o quanto o filme carrega, em sua metalinguagem e "obra em processo", uma relação com a vida e mundo -nada mais documental que isso.

Há ainda as tais linhas da mão de Viviane. Elas vêm de Friedrich Nietzsche. Numa conversa inicial, onde os escritos rebeldes e revisionistas de "Crepúsculo dos Ídolos" são comentados, é dito que o filósofo alemão colocou como entendimento do tempo "um sim, um não, uma reta e três pontinhos". Viviane rebate dizendo que colocaria um triângulo, "um equilíbrio instável, precário, é um eterno recomeço, não tem fim". Tal as linhas manuais de Vivi.

Nietzsche perdeu a razão aos 44 anos. Nada a ver com o transtorno bipolar de Viviane, mas há uma inegável relação sobre entendimento de mundo. Nietzsche defendia um pensamento livre de amarras morais. Viviane, que compreende a existência como uma espécie de dança, com seus voos e quedas, defende uma abertura à vida e às mais diversas experiências.

Ela "escreve" detalhadamente, em corpo e voz à câmera, sobre seus surtos, a solidão e o sexo com um amigo italiano. Uma exposição que confirma Viviane como uma mulher linda na tela. Uma estrela.

Por fim, é quase certo que, à exceção de "Dias de Nietzsche em Turim", de Julio Bressane, nunca houve outro filme na história do cinema brasileiro a trazer Nietzsche para si.

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