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Quais as armadilhas para jogadores brasileiros que trazem dinheiro de fora?

Para não ter dor de cabeça, o jogador precisa fazer uma operação de câmbio, com um contrato registrado em uma operadora, com pagamento do Imposto sobre operações financeiras (IOF)

Folhapress - Igor Siqueira

23/09/2024 - segunda às 10h42

Os estrangeiros que fazem o caminho inverso também precisam ficar atentos à legislação brasileira. - Valter Campanato

 O jogador consegue uma transferência para o exterior. Vai ganhar um salário melhor, uma chance valiosa para melhorar a condição da família. Mas aí, passa seis meses sem conseguir mandar dinheiro para o Brasil.

O episódio é real. O personagem fica no sigilo, por questões éticas. Mas foi com isso que Marcio Cezar, que comanda a empresa Angel Sports, já precisou lidar em uma das missões na consultoria de atletas que querem fazer o fluxo de dinheiro de volta para casa.

Quando se trata de dinheiro, os brasileiros podem enfrentar algumas "pegadinhas" ou armadilhas. Sobretudos em mercados menos conhecidos ou em desenvolvimento.

FUJA DO DOLEIRO NA ARÁBIA SAUDITA

O caso saudita é real por conta de um trâmite burocrático. Uma espécie de identidade chamada Iqama (uma permissão de residência), que é necessária para abrir conta de banco. Se o Iqama demora, fica travado, o jogador não consegue colocar o salário na conta. Se não tem conta, não consegue mandar para o Brasil.

"Ninguém imagina a dificuldade que é. Esse atleta tinha saído de um grande clube no Brasil, ele tinha um recurso financeiro. Então, conseguiu se manter. Depois, o clube lá abriu a conta, deu o Iqama pra ele. Mas tem casos de que o cara fica com dinheiro lá e não consegue mandar."

Aí, pode aparecer algum aproveitador. Alguém com discurso de facilitar a vida do jogador em questão.

"Os doleiros podem ser as artimanhas", conta Marcio Cezar.

A operação ilegal funciona da seguinte maneira: começam a cair na conta depósitos em série, em valores "menores" do que o valor total, de estabelecimentos comerciais com os quais o jogador em questão jamais fechou negociação. Pode ser padaria, supermercado, qualquer origem dessa natureza. O dinheiro ganho de forma lícita ganha um caminho ilícito, sem declaração e pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Isso se a grana, por esse intermediário clandestino, efetivamente cair na conta.

"Existem relatos de atletas que transferiram pra um doleiro e ele nunca chegou no Brasil. O doleiro sumiu. Teve um que perdeu 500 mil dólares. 'Ah, o cara tá lá em Portugal'. Eu falei: 'Tu acha que eu vou atrás do doleiro? Tá maluco'. Eu não me meto nisso. 'Você sabia que era ilegal. Você fez pra economizar IOF e alguns centavinhos? Então você vai pagar o preço, cara'. Então, assim, é o certo pelo certo, sabe?", explica o CEO da Angel Sports.

RÚSSIA BLOQUEADA, E AGORA?

Por conta da guerra contra a Ucrânia, a Rússia sofreu sanções econômicas que isolaram os bancos locais do resto do mundo. O país não tem mais o uso do Swift (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Mundial). Desse jeito, não tem como fechar operação entre um banco russo e uma conta no Brasil. E quem joga lá e recebe salário de clube russo?

"Muitos clubes têm contas em outros países, como a Alemanha e alguns países europeus. E aí eles conseguiam pagar o salário direto aqui", contou Marcio Cezar.

Mas há casos de um outro meio para transferência de valor. Tem quem curta.

"Já ouvi relatos de nossos clientes. Tem pessoas entrando com dinheiro através de criptomoedas. Aí, vira um meio paralelo na blockchain para tentar esquentar esse negócio. Eu falo para não fazerem isso. Nós temos uma carga tributária alta? Sim, nós temos. Mas dá a César o que é de César", afirmou, citando referência bíblica sobre pagamento de impostos.

NEGÓCIO DA CHINA

Para jogadores no mercado chinês, que já esteve muito mais badalado do que é atualmente, é bom prestar atenção se o pagamento está vindo por terceiros ou direto do clube, como deve ser.
"Se o contrato do cara é com o clube, o dinheiro tem que chegar no Brasil pela conta do jogador (do banco chinês para o brasileiro) ou direto da conta do clube chinês. Não pode chegar por um procurador", explica Marcio Cezar.

Qual o pulo do gato aí?

"Pegamos alguns casos. Eu travava. Se não me mandar o documento de que o cara é o diretor do clube, não vai entrar no país. Não posso deixar passar uma operação que eu senti o cheirinho ali. Não tá legal, não vai passar. Chegou o dinheiro e tem um contrato de trabalho que respalde? Tem. Beleza, tudo ok. Chegou por outra pessoa e dizem que é diretor do clube? Então me manda o documento do clube dizendo que ele é diretor do clube, provando a existência do contrato. Senão, não vai passar (na declaração de imposto), não tem como passar", completou.

QUAL O JEITO CERTO, ENTÃO?

Para não ter dor de cabeça, o jogador precisa fazer uma operação de câmbio, com um contrato registrado em uma operadora, com pagamento do Imposto sobre operações financeiras (IOF).

E dinheiro em espécie? O limite de valor em espécie para circulação em viagem internacional é de US$ 10 mil ou o equivalente em outra moeda, válido desde o dia 31 de dezembro de 2022. Se exceder esse limite, o viajante estará sujeito a emitir declaração. Quem estiver obrigado, mas não apresentar a declaração, pode sofrer multas e ter seus bens, inclusive dinheiro, apreendidos.

A consultoria nesses casos de movimentação de dinheiro ganha relevância principalmente para os jogadores que passam pela primeira transferência internacional. Eles vão jogar fora do país, nunca tiveram a experiência de ganhar salário lá fora e também nunca precisaram trazer as remessas para o Brasil. Os estrangeiros que fazem o caminho inverso também precisam ficar atentos à legislação brasileira.

Em 2016, dois amigos do argentino Dátolo, então no Atlético-MG, tentaram embarcar para a Argentina levando cerca de R$ 150 mil em dinheiro. Evasão de divisas. O valor era do jogador.

"Se fizer o câmbio errado, não tem como explicar a origem do teu dinheiro", alerta Marcio Cezar, que desde 2009 passou a lidar de forma mais próxima a jogadores, por gerenciar o posto de atendimento bancário do Vasco, em São Januário.

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