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Entrevista de Domingo

Para consultor portuário, acidente com navio reforça necessidade de túnel

Eduardo Lustoza afirma que riscos no canal do Porto de Santos são grandes com manutenção do sistema de balsas na rota dos navios

Por Adriana Martins - Redação BS9

27/06/2021 - domingo às 07h00

Lustoza diz ainda que ponte poderá ser obstáculo para navios no futuro - (foto: BS9)

O acidente com o navio Cap San Antonio na margem esquerda do Porto, em Guarujá, no último dia 20, trouxe de volta a velha discussão sobre a necessidade de se ter uma ligação seca entre Santos e Guarujá. São mais de 90 anos de intenção.

Porta-voz da campanha Vou de Túnel, que defende o túnel imerso como melhor alternativa para a travessia entre as duas cidades, o engenheiro e consultor portuário Eduardo Lustoza é categórico: a ponte seria mais um obstáculo para o Porto e a balsa é obsoleta e está mais do que na hora de ser aposentada.

Conselheiro da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos (AEAS), Lustoza reforça que, com o túnel, a travessia poderá ser feita em menos de cinco minutos. Além de automóveis, há previsão de circular ciclistas, pedestres, ônibus e VLT.

A campanha Vou de Túnel conta com petição on-line disponível no site do movimento e que já recebeu cerca de 4,5 mil assinaturas desde o lançamento da iniciativa. Neste sábado, dia 26, foi realizada blitz nas duas cidades para atrair ainda mais apoio popular.

Nesta entrevista, Eduardo Lustoza fala ainda sobre o risco iminente de acidentes no canal do Porto. Confira.
  
1- Qual foi a gravidade do acidente com o navio Cap San Antonio? A consequência poderia ter sido pior?
Na fala popular, o acidente saiu de graça, até porque não houve vítimas e o navio atingiu um berço de atracação, um píer de bicicletas (foto abaixo). Poderia ter destruído todos os berços dali e interrompido essa travessia. E iríamos ao colapso. Esse navio também poderia ter atingido duas balsas cheias de veículos – são 50 veículos em cada balsa e média de duas pessoas em cada veículo –, vitimando 200 pessoas. Ou poderia ter colidido com outro navio e, os dois, afundado no canal. Estou dando o máximo de abrangência da situação, porque o que ocorreu foi o mínimo. Além das vítimas, o canal do principal porto do País poderia ter sido interditado. Por trás dessas cargas movimentadas, há milhares de projetos, contratos e obras nacionais e internacionais que dependem desses produtos. E como é que fica? Vai para São Sebastião (SP)? Lá não cabe. Paranaguá (PR), Rio de Janeiro (RJ)? Não cabe. E contratos têm de ser cumpridos, há penalidades e multas envolvidas. De certo modo, pode-se afirmar que tanto o Governo do Estado e hoje a autoridade portuária junto com Ministério da Infraestrutura são negligentes nessa administração de riscos. Da mesma forma que foi o mínimo, nos quatro acidentes que aconteceram nos últimos 10 anos, poderia ter sido o máximo.

2- O que está fora da ordem nesse cenário?
O Porto não para de crescer e de bater recordes. A quantidade de navios beira 6.200 por ano, o que dá 12.400 entradas e saídas anuais. E nós temos uma balsa, muito antiga e tradicional, um equipamento obsoleto e lento, atravessando na frente dos navios. Quando a balsa atravessa, não pode estar vindo navio. Se vem um navio, ele tem prioridade, a balsa para e a fila da travessia, então, cresce. O navio atrapalha a balsa e vice-versa. Um dos dois tem de sair. E qual tem que sair? A balsa, claro. Saindo a balsa, a solução é o túnel. É o que defendemos.

 “Há 50 mil pessoas pagando caro, circulando lentamente, perdendo o tempo em que poderiam estar com a família, tempo de trabalho, e tudo isso no principal porto da América Latina, que deveria dar conforto à população local” – Eduardo Lustoza

3- O senhor fala do movimento Vou de Túnel.
O movimento Vou de Túnel não tem CNPJ. É a união de esforços de mais de 60 apoiadores ligados à engenharia, universidades, além da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), que têm a visão de proteger a indústria e precisa do porto funcionando. Temos empresas e terminais portuários que sabem da necessidade de se ter um canal de navegação livre, desobstruído. Outro ponto que está fora de lugar é que temos uma população aproximada de 50 mil pessoas, que atravessam a margem esquerda e a margem direita, em diversas posições, além dos veículos. Ou de barca lá na Alfândega ou no ferry boat, ou de catraia no Mercado Municipal. Então, há 50 mil pessoas pagando caro, circulando lentamente, perdendo o tempo em que poderiam estar com a família, tempo de trabalho, e tudo isso no principal porto da América Latina, que deveria dar conforto à população local.
 
4- Não só conforto, mas segurança, porque os riscos de acontecer um outro acidente continuam, certo?
Costumo dizer que Deus é brasileiro e fiel, porque até hoje não tivemos nada grave. Na linha de comércio portuário, 1/3 da movimentação passa pelo Porto de Santos. Tem de respeitar esses contratos, tem que proteger o canal do Porto e proteger a população.
  
5- O movimento defende o túnel como solução definitiva e única para o problema? Ou a balsa e a ponte podem coexistir?
O motivo da campanha é mostrar que a ponte não cabe em canais de navegação e que a obra correta é o túnel. Com ele, é resolvida a questão das balsas, dos pedestres e ciclistas, e há a possibilidade de expansão industrial, em uma rápida conexão entre Santos e Guarujá, margem direita e esquerda. As transportadoras e depósitos de contêineres, por exemplo, não têm onde se instalar em Santos, a alternativa é o Guarujá, que tem o equivalente a 7 milhões de metros quadrados na região da marginal da rodovia Cônego Domênico Rangoni. Ali, tangenciado pelo canal de Bertioga, é um local maravilhoso para expansão industrial. O túnel tem essa obrigação de desenvolvimento.

6- Quais as vantagens do túnel em relação à ponte?
O túnel tem 870 metros de extensão, com seis módulos pré-fabricados de 145m de comprimento, 37m de largura e 10m de altura, assentados em 21m de profundidade (imagem acima). O projeto prevê três células, sendo que, na central, não entra motor, só pedestres, ciclistas e skatistas. Nas outras duas células, uma tem três pistas de veículos para ida e a outra, três pistas para volta, com uma capacidade bastante ampla, projetada para atender os próximos 100 anos. Uma das pistas prevê passagem para o VLT também. Em menos de cinco minutos, você estará do lado. Diferentemente de uma ponte, que você sobe 85 metros e cria três quilômetros de viaduto de cada lado. O principal porto do País não pode ser obstaculizado, com limite de 85m (altura). Hoje, 30% das plataformas de petróleo já ultrapassam essa altura. E onde vamos parar nos próximos 100 anos é uma interrogação. A evolução é constante. É de bom tom, na engenharia, não aceitar a obstrução da navegação. Com o túnel, não haverá interferência nas áreas de manobras de navios, a área de expansão da tancagem (Ilha Barnabé) será preservada e o traçado será predominante em área portuária, com mínima demanda de desapropriações. Em Santos, será zero desapropriação. No eixo principal em Guarujá, também.
 
7- Qual o custo da obra? O projeto do túnel vai entrar na desestatização do Porto, prevista para o ano que vem?
Esse túnel imerso foi orçado pela antiga Dersa, lá atrás, em R$ 2,6 bilhões. Hoje, trazendo a valores presentes, fala-se em R$ 3,2 bilhões. Uma das opções é a privatização, sim. O novo arrendatário do Porto faria a obra e entraria sabendo que vai ter que gastar esse valor para construir o túnel. Outra possibilidade é uma PPP (parceria público-privada). A autoridade portuária abriu um chamamento público para doação de projetos visando a implantação e gestão do túnel. Esses projetos poderão trazer informações dos estudos técnicos fornecidos à autoridade portuária.

“Há 135 túneis imersos no mundo, todos eles em áreas urbanas, onde não cabe subir uma ponte de 80 metros, criar três quilômetros de rampa, de viadutos. A Europa está demolindo pontes e construindo túneis em vários portos” – Eduardo Lustoza


8- O túnel é seguro? Há muitos exemplos mundo afora?
Ele é seguro, sim. Não se tem registros de problemas. No projeto, há uma câmera central que, em casos de acidente, as pessoas deixam os veículos, vão para esse túnel central e a evacuação acontece numa área pressurizada, como as de escadas contra incêndio, em que o ar só sai, não entra, ou seja, ali não entra fumaça ou gás. Não há risco. Há 135 túneis imersos no mundo, todos eles em áreas urbanas, onde não cabe subir uma ponte de 80 metros, criar três quilômetros de rampa, de viadutos. A Europa está demolindo pontes e construindo túneis em vários portos, como Antuérpia, na Bélgica, e Brémen, na Alemanha.

9- Na última semana, houve uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir o projeto do túnel, há o chamamento da autoridade portuária e a privatização do Porto prevista para o ano que vem. Com esse cenário, o senhor acredita que estamos próximos de uma solução, de termos, enfim, uma ligação seca?
Depois de 92 anos da primeira manifestação na imprensa sobre a ligação seca – os últimos dez anos, de muita luta –, temos certeza de que dessa vez vai sair. Esse navio (Cap San Antonio - foto acima) veio trazer mais uma evidência dos riscos que administramos. Para quem diz que não temos recursos, e a arrecadação com os 140 milhões de toneladas movimentadas no Porto? Quanto os governos estadual e federal levam de impostos? Um montante superior a R$ 100 bilhões por ano. E não pode gastar R$ 3 bilhões em uma obra que vai garantir o aumento de faturamento, da receita do governo, além de permitir que o Porto se expanda e nós, que trabalhamos, tenhamos um pouco mais de conforto e respeito? Nós merecemos isso.

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