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Entrevista de Domingo

André Azenha fala sobre a importância da cultura para o País e a região

O jornalista e produtor cultural tem vários projetos de incentivo à cultura inclusive para os mais carentes

Por Lucas Campos - Redação BS9

12/12/2021 - domingo às 07h00

André Azenha tem diversos livros sobre cinema lançados pelo projeto de sua autoria Cinezen Edições Literárias - (foto: Paula Azenha)

O cenário cultural de um País diz muito sobre como ele enxerga a educação e outros tantos setores. Considerada um importante indicativo social, a cultura é fundamental na formação de qualquer cidadão.
 
Ela deve estar em nossas vidas desde a infância. Assim, será possível desenvolver uma sociedade mais democrática, inclusiva, de oportunidades. Uma criança que teve cultura desde cedo pode até não virar artista ou produtora cultural, mas certamente será uma profissional, seja de qual área for, mais sensível. 
 
É nisso que acredita o jornalista André Azenha. Com uma vasta experiência profissional, ele é assessor de imprensa há 15 anos, produtor cultural há 13, crítico de cinema há quase 20, coordenador de selo editorial há menos de um ano, palestrante há mais de 10, entre outras coisas. Formado em 2001, sempre foi um amante da literatura, do cinema e da música. 
 
Fundador do Instituto CineZen Cultural, responsável pelo Santos Film Fest – Festival Internacional de Cinema de Santos, o CulturalMente Santista – Fórum Cultural e Criativo de Santos, o Palafitacon – convenção geek na Vila Gilda, e muitas outras iniciativas. O CineZen também virou, em 2021, selo editorial, focado em livros sobre cinema. 
 
Azenha não poupa esforços para ajudar a alavancar a cultura santista e levar arte para os locais mais vulneráveis da cidade, em especial aos moradores das palafitas. E para falar sobre projetos e o momento cultural do País, o Portal BS9 teve uma conversa com este importante personagem da região.
 
1- Você atua em inúmeros projetos culturais e sociais da Baixada Santista. Como você entrou nesse meio?
Minha relação com as artes vem desde criança. Venho de família humilde, nunca passamos necessidade, mas também vivíamos no limite. Meus pais, Regina e Manuel, abriram mão de coisas materiais do dia a dia para conseguirem dar um bom estudo a mim e meu irmão Claudio. Meu avô materno, Reinaldo, alagoano de nascimento, era sanfoneiro, tocou em rádios de Santos e lia histórias do Gulliver, aos domingos quando o visitávamos. Faleceu quando eu tinha oito anos e isso me marcou. Lembro também de irmos, aos domingos a noite, naquela parte do jardim da praia em frente à Conselheiro Nébias para ver orquestras tocando. Meu pai sempre andava com livros de bolso, fosse no ônibus a caminho do trabalho, ou em filas do mercado, do açougue etc. Trocava dois por um nas bancas de jornal. Isso chamava minha atenção. Mas como as histórias eram de faroeste, tinham temas adultos, fui ter acesso aos gibis mesmo, que eram baratinhos e acessíveis naquela época. Ele também gostava de ouvir música italiana, em casa, em fitas cassete. Minha mãe é poetisa, publicou livros, ganhou prêmio. Gostava e gosto de ler suas poesias. Desde pequeno minhas matérias preferidas da escola sempre eram português, redação, história e educação artística. Tenho até hoje um livrinho de poesias que fiz na escola lá pelos 10, 11 anos de idade. E na quarta série publicamos um jornal e fui responsável pela editoria cultural, classificados e coluna social. Então foi uma formação, mesmo que não consciente num primeiro momento, que me permitiu desenvolver o gosto pela cultura. Me formei em jornalismo em 2001. Escrevi para sites, revistas, jornais, sobre música e, depois cinema, um caminho natural. Senti que precisava divulgar meu trabalho e passei a realizar debates culturais pelo CineZen, site de jornalismo e crítica de cinema que criei em 2009 e depois virou a marca produtora dos eventos que realizamos e hoje é um instituto (ainda que sem uma sede específica). Uma coisa levou à outra e virei produtor cultural pela prática. 
 
2- Qual foi sua maior conquista profissional até hoje?
O mais importante é poder fazer coisas que amo e conhecer pessoas incríveis. Minha esposa, Paula, parceira de vida e projetos, conheci quando eu coordenava um curso técnico de cinema – ela trabalhava na escola. Poder fazer um festival de cinema, o Santos Film Fest, que cresceu demais em pouco tempo de vida, realizar tantas pré-estreias trazendo dezenas de artistas de destaque do cinema brasileiro, escrever livros, ver pessoas que admiro, como o crítico Luiz Carlos Merten, falando de um livro meu. Os projetos sociais também. Ter recebido os prêmios Zumbi dos Palmares e a medalha Coração Nordestino, ambas outorgas do Conselho da Promoção da Igualdade Racial e da Comunidade Negra de Santos. E uma conquista, obviamente, é poder pagar minhas contas (risos) graças ao trabalho. São muitas lembranças, algumas dificuldades, mas muitas alegrias. 
 
3- Qual a importância da cultura para a sociedade como um todo?
Muitas vezes as pessoas esquecem, mas a cultura é algo além das linguagens artísticas: envolve tradição, costumes, história, gastronomia. É a identidade de um povo. Nos países com menores índices de desigualdade do mundo a cultura está sempre entre as prioridades. É capaz de transformar vidas, faz bem à saúde mental, uma prova foi no ápice da pandemia quando a cultura possibilitou que as pessoas pudessem se concentrar em algo para além do medo, dos problemas, das perdas, das dificuldades financeiras. 
 
4- Como você enxerga o cenário cultural da Baixada Santista? Mais especificamente em Santos?
Santos é uma cidade com muitos talentos, está a uma hora de São Paulo, é porta de entrada para o país graças ao Porto. Então, é natural que tenha força culturalmente, é uma das primeiras cidades do país. Mas as dificuldades para quem lida com cultura, no Brasil, sempre existiram e continuarão existindo, pois há muita desigualdade social, a economia vive de altos e baixos (muito mais "baixos”), e sempre há uma insegurança contínua de quem trabalha com cultura por não saber se no próximo mês, ou no próximo ano, haverá trabalho. Mas somos o município que foi “adotado” por Pagu, por Maurice Legeard, e de gente como Pedro Bandeira, Sergio Mamberti, Clovis Bueno, Gilberto Mendes, Rubens Ewald Filho, Bete Mendes, Jandira Martini, Ney Latorraca, Narciso de Andrade, Luciano Quirino, Renato di Renzo, Neyde Veneziano, Charlie Brown Jr., Vulcano, palco dos primeiros shows de muitas bandas de rock dos anos 1980, e tantos outros artistas e acontecimentos. Prefiro ser esperançoso.
 
5- Você é criador e coordenador do Santos Film Fest - Festival Internacional de Filmes de Santos. Como ele surgiu?

Enquanto produtor cultural acabamos criando projetos que gostaríamos de consumir enquanto público, cliente, amante das artes. No meu caso, Santos com toda a sua tradição para o cinema, ainda não tinha um festival que fizesse um intercâmbio entre curtas-metragens e longas-metragens. Em 2014 e 2015 fizemos a Mostra Cine Brasil Cidadania, trazendo longas à região seguidos de debates com seus realizadores, fossem diretores ou produtores. Lotou de público, tivemos grande apoio da imprensa. O próximo passo foi inserir filmes estrangeiros na programação e assim surgiu o Santos Film Fest, em 2016. As primeiras pessoas a quem falei da ideia foram a Paula, minha esposa, e o Toninho Campos, do Cine Roxy (que disse de primeira, “vá em frente, tô junto”). A ideia é que para valorizarmos quem é daqui, é fundamental que promovamos esse intercâmbio, possibilitemos o crescimento. Não há desenvolvimento se os cineastas daqui ficam numa bolha, não furam essa bolha. Só haverá evolução e realmente teremos um cenário fortalecido com intercâmbio e se instigarmos a realização de longas. Os curtas são o cartão de visita, a porta de entrada, mas é preciso ir além. É preciso que tenhamos mais cursos universitários e que nesses cursos sejam produzidos longas como trabalhos de conclusão de curso. Qualquer cidade realmente forte, pelo mundo, no âmbito audiovisual, parte desse princípio e os alunos concluem o curso realizando um longa-metragem.

6- E qual o principal objetivo desse projeto, que já apresentou inclusive filmes que foram indicados ao Oscar, como o Selvagem, este ano?
Buscamos ser uma vitrine de destaque para a produção local (e isso foi reconhecido intensamente pela imprensa e por muita gente que não se via representada até então), fazemos intercâmbio de curtas e longas, promovemos o resgate histórico, a memória cinematográfica, buscamos impulsionar a cadeia produtiva local, atuar em conjunto com áreas a exemplos da educação, do turismo, promover a diversidade, a representatividade. E às vezes (reforço, às vezes), o reconhecimento dentro da cidade é menor do que aquele alcançado fora de nossas fronteiras. Somos resistência em essência, furamos uma bolha, apontamos caminhos diferentes. Para isso viajamos, do nosso bolso, para outros festivais, para fazer contatos, formar parcerias. É um trabalho de formiguinha e que amamos intensamente. Vivemos cinema no dia a dia. Cinema é algo muito diverso e para termos um setor audiovisual forte no país é preciso essa pluralidade, fomentar diferentes estilos. Não pode existir um único pensamento sobre o que é cinema, e é o que temos tentado, e alcançado de certa maneira, fazer e contribuir para o cenário da região. E ficamos satisfeitos em ver centenas de realizadores do país, e até de outras nações, se referindo ao Santos Film Fest como o festival de cinema de Santos. 
 
7- A pandemia de Covid-19 impactou diretamente nos cinemas, fazendo com que muitos fechassem as portas no período mais crítico e outros estarem começando a se reestabelecer. Com as férias chegando, você acredita que agora é o momento ideal para isso acontecer? Como você enxerga essa situação?
Certamente os cinemas que conseguiram sobreviver aos meses de fechamento voltaram mais fortalecidos. Ainda há um processo de recuperação. “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” será fundamental nessa retomada. Vale lembrar que os cinemas integram o último setor a reabrir em outubro de 2020 (os bares já tinham voltado, e com aglomerações). Mas não havia grandes lançamentos. Os filmes mais esperados pelos fãs só voltaram a ser lançados este ano, a partir de março, na segunda reabertura. O cinema é um ponto de encontro de pessoas que têm algo em comum, é uma janela para o mundo, um lugar onde embarcamos em novos universos, sem distrações, mergulhados na projeção, na tela. Continuará existindo. Logicamente é preciso cuidado com essas novas cepas da Covid, mas os cinemas em que fui nessa retomada têm tido todo o cuidado com o público. 
 
8- Em março, devido aos efeitos da pandemia, o Cine Roxy recebeu uma liminar de despejo e realizou uma campanha de financiamento coletivo para não fechar as portas. Qual importância do local para a cidade e de continuar com suas atividades?
O Cine Roxy apoia produções locais, festivais, faz sessões para creches, escolas, asilos. É importante para o cenário da região, dos raros cinemas fora de capital a fazer pré-estreias com presenças dos artistas. Nesses 10 anos atuando lá como assessor de imprensa e produtor cultural foram centenas de eventos, para filmes de todos os gêneros e muita coisa bacana. Mas já havia essa tradição, é um cinema de rua com quase 90 anos que soube se atualizar.
 
9- O Senado aprovou no último dia 24 de novembro o projeto de lei complementar (PLP 73/2021), batizado de Lei Paulo Gustavo, que libera R$ 3,8 bilhões para amenizar os efeitos negativos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19 no setor cultural. O que você pensa sobre isso?
É fundamental e chega até tardiamente. O setor cultural e criativo é um agente em potencial para o desenvolvimento do povo, de um mundo mais justo e que fomenta a economia, gera renda, emprego, oportunidades sociais e profissionais.  

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