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Entrevista de Domingo

Alexandre Camilo fala sobre a vida e faz balanço dos 10 anos da Ação do Coração

Nova edição terá muitas novidades e será mais uma vez no formato virtual

Por Lucas Campos - Redação BS9

11/07/2021 - domingo às 07h00

Alexandre Camilo criou o evento e a Associação Eduardo Furkini também para homenagear o irmão, que faleceu vítima de um infarto - (foto: arquivo pessoal)

O nome de Alexandre Camilo já faz parte da tradição santista. Isso porque o professor e contador de histórias que cresceu no Morro São Bento é o fundador da Ação do Coração, movimento solidário que ocorre anualmente há dez anos, com a intenção de arrecadar doações e espalhar amor.

Inspirada em um evento europeu, do qual Alexandre e seu irmão Eduardo Furkini participaram, a ação também é uma homenagem a Eduardo, que faleceu após sofrer um infarto. Alexandre busca espalhar amor e preservar a memória do irmão, tanto com a ação, quanto com a associação sem fins lucrativos que leva o nome de Eduardo e fica em Santos, no bairro Jabaquara.

A décima edição da Ação do Coração, que já tem seu dia, 2 de agosto, marcado oficialmente no calendário da Cidade, neste ano está programada para acontecer com muitas surpresas. Assim como no ano passado, ela será feita em formato on-line, pois ainda não é possível levar as pessoas para a Praça Mauá, onde sempre ocorreu, por conta da pandemia.

Hoje, as arrecadações acontecem por meio de PIX ou pelo aplicativo da Ação do Coração. Há opções de doações de cesta básica, um quilo de alimento, ou de fazer parte da vaquinha (independentemente do valor da doação). 

A confecção dos famosos corações também continua. É possível fazer o seu e entregá-lo na sede da Associação Eduardo Furkini (Av. Rangel Pestana, 316). Lá, os corações são pulverizados com Lysoform, colocados num saquinho e serão entregues no dia 2 de agosto em hospitais da região.

Camilo reforça que estamos em um cenário de dor e doença, por isso é hora de levar corações em forma de gratidão a quem cuida do próximo. Saiba mais na entrevista a seguir:

1- A Ação do Coração chega à décima edição. O que mudou desde o começo?
A essência permanece a mesma: fazer o bem de verdade. Fazer um coração para quem a gente não conhece. Fazer a nossa doação. É tão bonito quando você vê a Ação nesses anos todos, crescendo cada vez mais, chegando a diversos países, com toneladas de alimentos, agasalhos e brinquedos sendo arrecadadas para quem precisa. Além de pessoas importantes dando seu depoimento e participando da ação, como a Maria da Penha e J. Borges. No ano passado, com Maurício de Souza e Elba Ramalho. Tantos artistas dando testemunhos e colaborando para que a Ação do Coração possa alcançar mais pessoas. Mas o que eu diria que foi uma grande mudança, no ano passado, foi fazer o evento de forma virtual. Hoje a gente tem um aplicativo onde você é capaz de desejar o bem, enviando um coração de forma virtual. Você confecciona o coração e pelo mesmo aplicativo pode fazer a sua doação. Então, a ação cresceu, a tecnologia veio para ajudar, hoje a gente consegue atingir milhares e milhares de pessoas, mas a essência e o trabalho voluntário permanecem. E é isso que nos move, isso que move tanta gente a se dedicar a essa causa, a esse movimento de amor. Amor que tem também um grande poder de cicatrização, tem poder curativo.

"O maior problema que a gente tem atualmente no mundo não é falta de agasalho, não é falta de brinquedo, não é falta de comida. É a falta de amor“ -
Alexandre Camilo

2- O tema da campanha deste ano é Nossa História, Nosso Legado. Qual a mensagem que você quer deixar?
Foram duas motivações para esse tema. A primeira, usando a projeção do presente para o futuro, que história estamos construindo? Porque qualquer um de nós pode partir a qualquer momento e, quando a gente parte, o nosso maior legado, a herança que fica, não é a casa, o carro ou algum objeto pessoal. São as histórias, a forma como você ajudou alguém, como impactou a vida de alguém. E a segunda motivação, usando outra projeção, do presente para o passado, a gente também olha para trás e vê o quanto que a gente realizou, o quanto, por meio dos voluntários, a gente pode chegar a milhares de pessoas. Hoje os números apontam mais de 1 milhão de corações, enviados de diversos lugares, e mais de 200 toneladas de alimentos. E o coração é um símbolo de amor. O maior problema que a gente tem atualmente no mundo não é falta de agasalho, não é falta de brinquedo, não é falta de comida. É a falta de amor. Semana passada, numa única madrugada, quatro moradores morreram de frio. Isso não é falta de agasalho, porque São Paulo é a maior cidade do País. Isso é falta de amor, falta de cuidado com o outro. E a Ação do Coração nasceu para enfatizar justamente isso. Porque o amor, quanto mais eu doar, mais eu vou receber. Este é um dos nossos mantras: quem doa sempre ganha. 
 
3- A maior parte das doações vinha da arrecadação de alimentos, agasalhos e brinquedos. Agora, o foco são doações em dinheiro. Por quê?
No Brasil, de certa forma, a pessoa prefere doar o alimento, o agasalho, o objeto e não o dinheiro. E, por causa da pandemia, desde o ano passado, a gente está reforçando muito a importância da doação em dinheiro. Por exemplo, com um volume maior de dinheiro eu consigo um volume maior de cestas básicas por um preço melhor. Com dinheiro eu consigo atender, por vezes, aquela pessoa que está precisando de um remédio. Há pessoas que já têm comida em casa, mas não tem gás. Tem gente que precisa de uma cadeira de rodas ou de uma cadeira de banho. Então, são múltiplas as necessidades e a Ação sempre foi muito transparente. Quando você tem a oportunidade de receber a doação em dinheiro, você consegue transformar isso em comida e entregar da melhor forma. Por exemplo, o Vale do Ribeira é a região mais carente do Estado de São Paulo. São 22 cidades, algumas delas com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) baixíssimo. Então, o que a gente pode fazer? Podemos realizar através da nossa rede de solidariedade uma compra grande de alimentos e pedir que a própria empresa se encarregue da logística para poder entregar lá. E lá os nossos representantes fazem chegar a quem precisa.
 
“Este é um dos nossos mantras: quem doa sempre ganha” - Alexandre Camilo
 
4- Falando sobre você, como era o Camilo na primeira edição e como chega em 2021 para essa décima edição?
Chego bem mais envelhecido pela correria. Quem se dedica ao trabalho social sabe que é um trabalho sem fim. E esse é meu trabalho voluntário. Eu sou professor e trabalho em São Paulo, na Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística (PNL). Sou escritor, tenho os espetáculos que eu faço parte, a partir das minhas pesquisas de storytelling. Então, sempre que eu posso, em qualquer momento de folga, venho para me dedicar ao trabalho social. O trabalho não para. Olhando para trás, vejo as fotos, vejo tudo que a gente fez, vejo a motivação para isso tudo, e ela permanece a mesma. O que a gente entende, é que à medida que o tempo vai passando, você vai vendo que existe muito mais gente precisando, existem mais cidades. Então, eu me dedico a conhecer as comunidades de perto antes de fazer qualquer doação. A gente tem um grupo forte de voluntários, uma comissão, uma diretoria, para poder ajudar sempre com cuidado para não envolver nada político, para não envolver nada que seja religioso. Todas as religiões são convidadas a participar. E não pode ter envolvimento político porque a palavra já está dizendo partido, e o amor une. A gente eleva apenas uma bandeira, a bandeira do amor. Nesses dez anos, a gente viveu muita coisa. Falando do Alexandre de lá para o Alexandre de cá, eu vejo a mesma vontade de contar histórias, o mesmo desejo de transformar. E vejo que muitas pessoas que nem conheceram o Eduardo foram se agregando, foram se juntando a essa história. Então, nossa responsabilidade aumenta mais.
 
5- Como é seu trabalho de contação de histórias e qual sua história preferida?
Quando eu morrer - eu não sei quando isso vai acontecer, a gente nunca sabe a hora que vai partir -, eu quero ser lembrado como um contador de histórias, como um pesquisador dessas histórias. Sou apaixonado por esse trabalho e não tenho dúvida nenhuma de que essa é minha missão aqui na Terra: contar e inspirar através de histórias. São várias histórias que eu gosto, desde os contos clássicos até os contos de tradição oral, as fábulas. Ultimamente, tenho contado muito uma história sobre reclamar e agradecer, porque eu acho que tem muito a ver com tudo que está acontecendo no mundo. Agora, para citar uma história preferida, eu gosto demais da história dos Três Conselhos. É uma história absolutamente profunda que fala sobre não tomar atalhos, porque os atalhos podem nos custar a vida. Fala sobre não ter curiosidade para o mal, porque a curiosidade para o mal nunca vai te acrescentar em nada. E pede para que a gente nunca tome nenhuma decisão no momento de raiva, no momento de ódio. Decisões tomadas nessas horas fatalmente a gente se arrepende depois. É um conto de camadas, como eu gosto de chamar, que tem um ensinamento maravilhoso.
 
6- Como se prepara para a contação?
Nunca uma história sai igual a outra. A mesma história, toda vez que ela é contada, sai diferente. Porque depende do momento, do dia. A parábola das Três Árvores, por exemplo, é uma história que tem tocado meu coração. Eu contei essa história há dois dias e me surpreendi, porque estava com as nuances que a história traz e sai diferente sempre. Eu me preparo bastante, gosto de, quando estou fazendo um trabalho, qualquer que seja ele, colocar foco e atenção. Muitas vezes a gente não tem ideia do impacto que a escolha das nossas palavras pode ter para quem vai ouvir. As palavras podem provocar sentimentos e gerar imagens.
 
“Não pode ter envolvimento político porque a palavra já diz: partido. E o amor une. A gente eleva apenas uma bandeira, a bandeira do amor”- Alexandre Camilo

7- Como é o Alexandre Camilo professor?
Eu sou professor de storytelling, de oratória, e adoro programação neurolinguística, porque eu entendo que através dos padrões de linguagem, do professor Milton Erickson, a gente tem diversas ferramentas para que o orador possa se expressar de uma melhor maneira. A maioria dos problemas que a gente tem no mundo corporativo, na educação e nos relacionamentos são problemas de comunicação. Muitas vezes, um casal quer a mesma coisa e ambos não estão sabendo se expressar. Então, esse trabalho com linguagem, com histórias, é uma paixão. Adoro realmente. As minhas aulas, modéstia à parte, são muito divertidas. Porque o conteúdo hoje em dia é muito fácil. Se você tem acesso à internet, você tem ali um imenso oceano de conteúdo. Mas a forma de passar esse conteúdo, a ligação, a conexão, a congruência de quem está ensinando faz toda a diferença. Então, eu vejo o Alexandre Camilo de fora como um professor divertido, que está sempre muito focado em poder atender à necessidade específica daquele aluno. Eu nunca penso na turma como uma forma geral ou no curso, porque é isso e muito mais, cada um de nós tem uma necessidade.
 
8- De que forma a pandemia afetou o seu trabalho?
A pandemia afetou muito meu trabalho, como de diversas categorias. E aí eu tinha opção do trabalho que eu fazia ao vivo de realizar on-line. E confesso que demorei para começar a fazer isso, porque eu tinha uma entrega muito boa, modéstia à parte, no ao vivo, e eu precisava ter toda certeza de que eu poderia, no virtual, realizar o trabalho com a mesma maestria. Tocando os corações, passando ensinamentos muito mais do que o conteúdo. Demorei, mas estudei muito, assisti muita coisa, fiz cursos, tive mentores. E aí, através desse acompanhamento, deste trabalho, percebi que eu poderia migrar para o virtual com a mesma qualidade. Hoje eu falo de forma segura que o trabalho on-line que eu estou realizando junto à Sociedade Brasileira de PNL, junto com meu trabalho de storytelling, atinge muito mais pessoas. Eu consigo numa única turma atender alunos de Angola, do Maranhão, de Sergipe e de Santa Catarina. Então, entendo que é uma grande evolução. Não é que vai substituir o ao vivo, é uma outra experiência. Mas é possível sim. Então, afetou muito, mas acredito que é mediante aos desafios que a gente conquista o crescimento.
 
“Sempre quis ser padre quando criança. Eu ficava encantado. Realizava missinhas no sítio em que eu morava no Morro São Bento” - Alexandre Camilo
 
9- Como você se define?
Sempre quis ser padre quando criança. Eu ficava encantado. Realizava missinhas no sítio em que eu morava no Morro São Bento. E eu sou um contador de histórias, uma pessoa que gosta de ouvir, que gosta de contar, que é verdadeiramente apaixonado pelo ser humano. E tive muita sorte de ser filho da Dona Regina, minha mãe, grande inspiradora, uma mulher criativa e à frente do seu tempo. Ser filho do Seu Vasco, que tinha um carisma enorme, que ajudava um monte de gente. Meu pai tem uma praça com seu nome no Largo São Bento, no morro, que se chama Vasco Carmano Gonçalves. Porque era dele essa coisa de ajudar, de estar no meio do povo. E ser irmão do Eduardo, da Cláudia e da Simone. Eu acho que, com irmãos tão diferentes, eu tive tanto aprendizado! E partir daí, a minha família só cresceu, já que os amigos são a família que a gente escolhe. Então, quando eu partir desse mundo, eu quero ser lembrado como uma pessoa que ouvia, contava e escrevia histórias. Estas que ajudam no processo curativo, que ajudam a cicatrizar. Eu acredito que uma boa história é capaz de curar.

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