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O valor do gesto

Maurício Juvenal - Jornalista, especialista em Pesquisa Social e mestre em Letras

Maurício Juvenal

13/12/2021 - segunda às 17h26

Foi com a satisfação de irmão mais velho coruja que li, na última segunda-feira, dia 6, artigo publicado nesse mesmo espaço sob o título “O valor das palavras”. Baita texto bem escrito, bem estruturado, fundamentado naquilo que muitos acham que o mundo tem de melhor: a fala, o discurso, o texto, a expressão verbal.
 
Não há quem não tenha ao longo da vida escutado frases do tipo “as palavras têm força”; “usam a palavra como arma”; “não diga isso, porque atrai”. É a mais pura verdade e prova disso é que as religiões, em geral, se sustentam pela força das palavras, quando não pelo valor delas. E me refiro, de forma provocativa, ao valor financeiro mesmo, já que não são poucas que costumam “cobrar” pelo socorro espiritual propagado na forma do verbo.
 
E por falar em religião aproveito a oportunidade para sustentar o meu argumento, em favor do gesto, citando o bíblico livro de Tiago, capítulo 2, versículo 26. Lá está: “a fé, sem obras, é morta”. Pouco antes, no versículo 14, o texto é ainda mais objetivo: “Meus irmãos, que interessa se alguém disser que tem fé em Deus e não fizer prova disso através de obras?”.
 
É o Deus racional que alguns carregam, acreditando de fato que uma palavra repetida mil vezes, como o Bom Bril do velho comercial, é capaz de ter mil e uma utilidades, inclusive a de transformar em verdade, o que mentiroso é.
 
A verdade é que palavras se perdem ao vento, mesmo quando perpetuadas em páginas de livros, jornais, revistas ou sites. Palavras variam no tempo e no espaço. Tinham um valor há décadas ou séculos e hoje já têm outro. Têm um sentido no mundo ocidental e outro no mundo oriental. Valem aqui o bastante e lá nada valem.
 
O que de certo modo me incomoda nos que defendem a força, o valor e o vigor das palavras, é justamente a contradição de propor que se for para dizer algo que nada construa, que ofenda o outro, que promova algum tipo de prejuízo material ou moral, que se opte pelo silêncio. Ora ora, se há valor nas palavras e se elas são proferidas de modo a retratar o princípio da verdade, pois verdade não carrega a condição de valor e sim de princípio, optar pelo silêncio, jamais! O silêncio não carrega o dom da parcimônia, propondo que “menos é melhor”. Nem as palavras têm sempre o condão da beligerância, de estado permanente de guerra. Por que silenciar-se então? Comodismo, zona de conforto, omissão, covardia? Que se solte o verbo e que dele se faça carne.
 
O silêncio oferece muitos mais riscos que o livre fluxo de ideias e informações. Aqueles que partem do princípio de que o silêncio se em nada acrescenta em nada prejudica, esquecem-se de que tal postura conduz ao atrofiamento de suas relações com o mundo exterior, às quais ninguém, ninguém, pode prescindir.
 
Isto posto, recorro ao célebre pensamento de Martin Luther King para concordar com meu irmão mais novo, que com competência nos propôs seu artigo, sobre o valor das palavras: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
 
Por isso mesmo eu defendo o valor dos gestos, da entrega, do que é concreto, do que é fato, e não versão. Do que é real, e não opinião. Palavras acrescentam, orientam, ensinam, perturbam, esclarecem, enganam, e tudo na mesma dimensão. Gestos materializam, ainda que possam ser julgados se são para o bem ou se são para o mal.
 
Conhecedor da Palavra, apóstolo de Cristo, Tomé precisou ver para crer: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos de Jesus, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei”. Em palavras, Pedro, outro apóstolo, “pescador de homens”, negou a Cristo por três vezes, mas jamais o fez em gestos e foi a partir dele que Jesus edificou a sua Igreja.
 
Longe de querer desmerecer o valor das palavras, o poder que elas detêm, proponho uma reflexão se o valor que atribuímos às pessoas não deveria estar mais condicionado ao que elas efetivamente fazem, do que ao que elas dizem. Sou do tempo em que a palavra, lastreada no comportamento e no ser, valia mais do que a palavra expressa no contrato.
 
Em defesa do gesto, em defesa do ser, me rendo à poesia de Isolda e Milton Carlos: “Palavras são palavras e a gente nem percebe o que disse sem querer (...), eu tento achar um jeito pra explicar (palavras), você bem que podia me aceitar (gestos), eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser, mas é assim que eu sei te amar”.
 
Enfim, declare seu amor, mais do que em palavras, em gestos.

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