Felipe Sampaio
03/07/2025 - quinta às 14h08
Ao que parece o empresariado nacional começa despertar para o que podemos chamar de ‘tragédia suficiente’.
Se o escritor francês Stendhal tivesse conhecido os inquilinos da Avenida Brigadeiro Faria Lima, ficaria até tentado a adaptar sua máxima “Por trás de toda grande fortuna existe um crime” ao sufoco pelo qual os nossos agentes financeiros estão passando ultimamente. A ideia aqui não é levantar suspeitas sobre a origem da riqueza dos Faria Limers. Pelo contrário, o alarme sobre a infiltração silenciosa do crime organizado nos negócios financeiros legais foi acionado pelos próprios operadores do mercado.
Stendhal (pseudônimo de Henri-Marie Beyle) viveu no século XIX, no embalo pós-Revolução Francesa. Portanto, nem poderia ter conhecido o coração financeiro da Paulicéia Desvairada. De um lado, porque na época o mercado financeiro brasileiro ainda engatinhava, não indo além do lactente Banco do Brasil e dos lactantes agiotas. De outro, porque Paulo Maluf sequer havia construído a Faria Lima.
A rigor, o pensador francês não se referia exatamente a alguma ilegalidade cometida pela elite europeia, mas sim à desigualdade social, vista pelos seus colegas iluministas como uma espécie de mãe de todos os crimes – efeito dos crimes dos ricos e causa dos crimes dos pobres. Se bem que, por esse ângulo, a Faria Lima nem poderia se eximir totalmente do pecado original do capitalismo (a pobreza alheia).
Contudo, no que diz respeito à criminalidade “aos olhos da lei”, os mercados brasileiros andam atentos aos alertas dos investidores estrangeiros quanto aos riscos de participação da facção paulista PCC no ecossistema econômico nacional: “as facções estão encontrando brechas na economia formal, ameaçando não apenas os ganhos de grandes empresas que atuam na legalidade, mas também a segurança do ambiente de negócios” (Folha de São Paulo, 28/06/25).
Ao que parece o empresariado nacional começa despertar para o que podemos chamar de ‘tragédia suficiente’. Aquele grau de ameaça que finalmente provoca alguma reação civilizatória por parte dos mais ricos – que comandam a política e a economia -, a exemplo da Nova York ianque dos anos 1970 e da Cali colombiana 20 anos depois, onde a construção civil era controlada pelas máfias.
O PCC está presente em 28 países, associando-se pacificamente com facções locais e penetrando em setores como o financeiro, o imobiliário, combustíveis ou o transporte público. Procura, assim, reduzir o custo dos confrontos com quadrilhas rivais e lavar dinheiro na economia formal sem chamar a atenção da Justiça.
O Índice Global da Paz 2025 (Institute of Economics & Peace) revela um Brasil no alarmante 130º lugar do ranking de países pacíficos. “Isso deveria mostrar aos governos que a paz traz benefícios econômicos substanciais” (Forbes, 20/06/25). Enquanto isso, aqui na Terra da Santa Cruz, os analistas do mercado financeiro já falam em “risco PCC” e em “ala business do PCC”. A atuação do crime organizado na economia já é tema de estudo até na bem-nascida faculdade paulistana INSPER e no centro de debates CCDP, habitado por ilustres como Armínio Fraga, Elena Landau, Edmar Bacha e Alexandre Schwartsman.
Stendhal ficaria confuso por aqui. Segundo o GAECO de São Paulo, já ocorre lavagem de dinheiro nas grandes fintechs legais, que nem sabem que estão contaminadas pelo dinheiro do crime. Na mesma reportagem da Folha, o Promotor Lincoln Gakiya afirma que “as facções estão constituindo empresas que não são de fachada e operam na economia formal mesmo”, vencendo até licitações públicas. Como dizia Riobaldo, em Grande Sertões Veredas, viver é muito perigoso… até para os Faria Limers.
Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e 3º setor; foi empreendedor em mineração; dirigiu o Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; ex-diretor do sistema de estatísticas do Ministério da Justiça; foi secretário executivo de Segurança Urbana do Recife.
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