À espera do olhar de Deus

Por Pasquale Gliosci
(Heterônimo de Mario Gochi)

Nasci numa curva de rua
Onde a tristeza não chegava.
 
Todas as noites eram de primavera,
Mesmo quando tudo esfriava.
 
A lua enfeitava nossa janela,
Cheia, nova, crescente, ou quando minguava.
 
No fim da tarde a sirene soava
E me devolvia meu pai.
 
Todos os dias eram úteis.
Todas as noites eu sonhava.
 
Deus vinha descansar na rede
E os anjos ficavam ao lado.
Chegava e partia por uma paisagem pendurada na parede,
Um lugar de mato dourado.

Ele não me pedia nada,
Dormia, enquanto mamãe cozinhava
Arroz, feijão, bife e salada.
Não fazia conta se eu pecava.
Apenas sorria, logo que acordava.
Mas antes de ir,
Dizia que voltava
E que estaria olhando tudo pelos meus olhos.

Senhor do céu
Por que fizeram em papel
A minha vila fabril?

O papel foi pra China,
Minha rua não tem mais curva,
Minha rua não tem mais rua
E a lua voltou a ser apenas um satélite.

A sirene da tarde parou de tocar
E meu pai nunca mais voltou.
Mamãe foi atrás dele
E eu não sonho mais.

Deus, meus olhos estão abertos
Esperando que você veja.