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'Eneida' tenta decifrar dor familiar da própria diretora do filme

O primeiro desafio para o filme é como preencher as lacunas desta ausência, tornando esta figura invisível, de que o tempo todo se fala mas nunca se vê, de algum modo concreta para quem assiste

da Folha Press/Neusa Barbosa

21/04/2023 - sexta às 00h01

Heloísa Passos envereda por uma jornada intimista e intensa no documentário "Eneida" - Reprodução

Diretora de fotografia premiada por filmes como "Manda Bala", de 2007, e "Mulher do Pai", de 2016, Heloísa Passos envereda por uma jornada intimista e intensa no documentário "Eneida", sua segunda experiência na direção de longas.

No espírito de sua estreia como diretora -com o documentário "Construindo Pontes", de 2017-, ela se propõe a investigar alguns dos conflitos mais doloridos de sua história familiar. Naquele primeiro filme, o centro eram as tensões de sua relação com o pai, o engenheiro Álvaro. Neste segundo, explora um drama de todo o clã mas especialmente doloroso para sua mãe, a dona de casa Eneida.

Neste aflito diário de uma busca, o fantasma perseguido é o da filha mais velha, Maísa, há mais de duas décadas rompida com a família. O primeiro desafio para o filme é como preencher as lacunas desta ausência, tornando esta figura invisível, de que o tempo todo se fala mas nunca se vê, de algum modo concreta para quem assiste.

Isto é feito com notável talento a partir das conversas da diretora com sua mãe eloquente e carismática. Movida pela urgência de ter passado dos 80 anos, esta mulher busca na filha cineasta a aliança necessária para reencontrar a filha perdida, fechando um ciclo de incompreensão.

Centrado neste sentimento mas sem perder de vista o apuro de linguagem, o documentário incorpora um discreto clima de suspense, na procura da desaparecida irmã iniciada no último endereço conhecido e em telefonemas desencontrados, derramando em conta-gotas os detalhes dessa ruptura, mantendo acesos o interesse e o ritmo dramático.

Sem abandonar o eixo principal, Eneida assume cada vez mais protagonismo, o que permite notáveis confissões sobre a condição feminina em sua época de juventude. Olhando o passado, ela se queixa de ter sofrido com o machismo, primeiro do pai, que a impediu de namorar e estudar contabilidade, como desejava, e lamenta ter aberto mão da butique que possuía ao casar-se.

Estas revelações, aparentemente apartadas do cerne da história, justificam-se, no entanto, quando se sabe que o rompimento com Maísa produziu-se como decorrência de ações dos homens da família. Agora são as mulheres do clã que tomam a frente para tentar restaurar os laços perdidos.

Firme e objetiva na condução destes diálogos com a mãe, apesar do seu próprio envolvimento emocional, Heloísa mostra criatividade também em seu campo original de atuação, realizando sequências fotográficas tão sensíveis quanto marcantes.

Uma delas, a do berço que pertence à família materna há 80 anos e que representa um símbolo desta passagem de legado entre gerações que foi interrompida. Outra, uma imagem de Eneida e Heloísa, de óculos escuros, tomando sol, que lembra uma cena de "Fale com Ela", de Pedro Almodóvar -um título que remete por si ao tema deste documentário. A mais bela, certamente, é a do carrossel, perto do final, em que a diretora se permite uma grande licença poética para imaginar um final feliz para sua história.

Este cuidado imagético acrescenta camadas a um filme que incorpora de maneira muito eficaz não só as incertezas do percurso como as possibilidades abertas pelos acasos, que são muitos, traduzindo com naturalidade uma das características mais constantes da vida.

Da mesma forma, a trilha sonora, de BiD e Guilherme Held, preenche os silêncios, criando atmosferas sonoras com uma suavidade que nunca impõe um clima às cenas nem contamina de pieguice seu conteúdo. As emoções de "Eneida" são, acima de tudo, autênticas.

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