SP

Programa Empreendedor Artesão estimula o artesanato paulista como negócio e fonte de renda

Iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico amplia oportunidades e abre caminhos para sustentabilidade, herança cultural e empreendedorismo

27/11/2025 - quinta às 17h00

Selecionar, cortar, soldar, moldar, pintar, criar e vender. Todos os dias, há 28 anos, Claudinei Roberto Nanzi, 69 anos, morador de Jundiaí, interior paulista, trabalha minunciosamente em seu ateliê nos fundos de casa com um material comumente descartável: garrafas PET. 

  

Nas mãos do artesão, uma garrafa de plástico de dois litros se transforma em obras de personagens icônicos como Sancho Pança e Dom Quixote, além de animais, folhas, flores e figuras religiosas como São Francisco de Assis. Tudo feito com muita paciência, técnica e paixão a partir de um material que demora centenas de anos para se decompor. 

  

Hoje, a venda das peças é um complemento da renda de Claudinei, mas ele almeja que um dia o artesanato se torne sua principal fonte financeira. Para além do talento, ele defende que o artesão contemporâneo precisa saber empreender e por isso considera o recém-lançado Programa Empreendedor Artesão como um divisor de águas para o artesanato paulista. 

"Para além da arte romântica do artesanato, somos empreendedores. E o papel do Estado é abrir portas. Quando o Empreendedor Artesão estava sendo criado, fomos ouvidos e valorizados. Foi uma ruptura. A partir daquele dia, muita coisa mudou e muito ainda vai mudar", relembra o artesão sustentável. 

Voltado ao fortalecimento do artesanato paulista como atividade econômica e cultural, o programa, criado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo (SDE), incentiva o empreendedorismo entre artesãos de todos os segmentos e regiões do estado, oferecendo reconhecimento, fomento, qualificação, acesso ao mercado e oportunidades de renda. 

Estruturado para atender às principais demandas da categoria, o programa reúne pilares essenciais para o fortalecimento da atividade: 

Formalização: emissão da Carteira do Artesão em nível estadual e nacional; orientação para formalização de negócios (MEI, cooperativas e associações); e atendimento itinerante em todo o Estado.  
Qualificação: cursos presenciais e online voltados à gestão, marketing, vendas e uso de ferramentas digitais; capacitação técnica em diferentes modalidades de artesanato; e cursos de inclusão digital com foco em redes sociais, e-commerce e pagamentos online.  
Acesso ao crédito: linhas de financiamento para artesãos por meio do Banco do Povo Paulista e da Desenvolve SP, com condições facilitadas para ampliar e modernizar os negócios. 
 

Do desmatamento à sustentabilidade 

Claudinei trabalhou por quatro décadas no comércio de madeira e testemunhou de perto a extração predatória. Uma vez viu tratores com correntes derrubando grandes áreas de floresta e matando animais no processo. "Fiquei com culpa de fazer parte dessa cadeia destrutiva", relata. 

  

Ao se aposentar, decidiu que precisava devolver algo para a sociedade e ajudar na preservação da natureza. A ideia surgiu enquanto passava pelo Rio Jundiaí e se deparou com milhares de garrafas PET acumuladas na água. Ele começou a recolher o material e transformá-lo em plantas aquáticas, esculturas e peças decorativas.  

"Precisava fazer algo diferente para me destacar, então comecei a investir na metalização das garrafas PET. Eu queria gerar debate, provocar consciência e mostrar que essas garrafas não são um material tão descartável assim", declara Claudinei. 

Patrimônio cultural vivo 

Se o relato de Claudinei apresenta o artesanato como uma ferramenta de transformação sustentável e econômica, a trajetória de Elizabeth Horta Corrêa, de 74 anos, mostra o artesanato como patrimônio cultural vivo. Há mais de 20 anos, ela se dedica à pesquisa e preservação da renda Nhanduti, técnica paraguaia ancestral em risco de extinção. 

Elizabeth conheceu o Nhanduti em 2004, durante um curso de artesanato em Atibaia, onde vive até hoje. Encantada pela delicadeza das peças, iniciou uma verdadeira investigação para descobrir sua origem.  

Com poucas referências ou materiais disponíveis no Brasil, passou anos reunindo literatura antiga, estudando arquivos estrangeiros, visitando museus, recuperando manuais do século passado e até mesmo viajando para outros países, como Croácia, Paraguai e Espanha. Seu trabalho de pesquisa tomou proporções tão profundas que, em 2024, foi reconhecida como a única mestra da técnica de Nhanduti no Brasil.

"Você só preserva o que conhece. O esquecimento vira um círculo vicioso. São mais de 20 anos de pesquisa sobre algo que nunca foi estudado antes", conta a mestra artesã. 

Durante anos, Elizabeth produziu peças para lojas e joalherias, mas a complexidade da técnica sempre limitou sua escala. Trabalhar com uma renda tão fina exige mais tempo do que o mercado costuma comportar. "Um módulo de oito centímetros pode levar de oito horas até alguns dias para ficar pronto. É um trabalho minucioso", explica.  

Para ela, o Programa Empreendedor Artesão representa a chance de unir cultura, renda e preservação. "Essas técnicas só sobrevivem onde há vontade ou política pública. Além do benefício do emprego e da renda, você trabalha a própria cultura e garante que novas gerações tenham acesso a técnicas ancestrais", declara.