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Pesquisa revela cocaína em peixes consumidos na costa paulista

Estudo detecta medicamentos e cocaína em peixes consumidos na costa paulista

25/06/2025 - quarta às 12h00

Pesquisadores da Universidade Santa Cecília (Unisanta) realizaram uma investigação inédita que revelou a presença de compostos farmacologicamente ativos e até cocaína em tecidos de peixes capturados na costa do estado de São Paulo. O estudo, publicado na revista científica internacional Regional Studies in Marine Science, do grupo Elsevier — com fator de impacto 2.1 —, representa um alerta sobre a contaminação de organismos marinhos por substâncias químicas que chegam ao ambiente por meio do esgoto doméstico, sem qualquer previsão de monitoramento na legislação brasileira.

A pesquisa analisou o fígado e o músculo de cinco espécies marinhas amplamente consumidas pela população: Cathorops spixii (bagre-amarelo), Genidens genidens (bagre-marinho), Bagre marinus (bagre-bandeira), Larimus breviceps (oveva) e Pellona harroweri (sardinha). Foram detectados cinco compostos ativos entre os doze analisados: cafeína, paracetamol (acetaminofeno), furosemida (um diurético), benzoilecgonina (metabólito da cocaína) e a própria cocaína – substâncias com potencial farmacológico ativo e implicações tanto ambientais quanto para a saúde humana.

O trabalho, desenvolvido por docentes dos programas de pós-graduação stricto sensu da Unisanta, envolveu pesquisadores dos Laboratórios de Pesquisa em Produtos Naturais (LPPNat) e de Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros (Labomac). Participaram do estudo: Luciana Lopes Guimarães (Mestrado em Ecologia, Mestrado em Auditoria Ambiental, Mestrado e Doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental), Vinicius Roveri (Mestrado e Doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental), Ursulla Pereira Souza (Mestrado em Ecologia, Mestrado em Auditoria Ambiental, Mestrado e Doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental), além de João Henrique Alliprandini da Costa, que foi aluno do Mestrado em Ecologia Unisanta (concluído), orientado pela Profa. Ursulla. Atualmente é doutorando e coorientado pela Profa. Ursulla, integrando também a equipe do Labomac.

"Estudos anteriores publicados pelo nosso grupo de pesquisa (LPPNat) demonstraram a presença de diferentes fármacos, cocaína e benzoilecgonina (metabólito da cocaína) em águas coletadas em diferentes localizações nos municípios de Santos e Guarujá. Considerando a exposição contínua de organismos aquáticos a essas substâncias, era esperado encontrar a presença destas em peixes, considerando também as características físico-químicas destas substâncias que favorecem a sua absorção e bioacumulação (acúmulo) nos tecidos", destaca a Profa. Luciana.

A espécie Cathorops spixii (bagre-amarelo) apresentou os maiores níveis destes compostos, tanto no fígado quanto no músculo. O paracetamol foi encontrado exclusivamente no músculo dessa espécie. Cabe destacar que o músculo representa a parte comumente consumida. Já a cafeína apresentou concentrações mais elevadas em Bagre marinus do que nas demais espécies, o que os autores relacionam a registros anteriores de altos níveis da substância na região costeira analisada.

Outro dado relevante do estudo é a discrepância observada entre os níveis de cocaína e benzoilecgonina, especialmente nas espécies C. spixii e L. breviceps. A diferença pode ser explicada por aspectos físico-químicos distintos entre os compostos, conferindo à cocaína melhor absorção e acúmulo em relação à benzoilecgonina (sendo este último um produto gerado pelo metabolismo humano após o consumo de cocaína).

Os peixes analisados foram coletados em dois pontos da Região Metropolitana da Baixada Santista: Praia do José Menino, em Santos, e Praia do Perequê, em Guarujá — áreas de forte urbanização, onde a pesca artesanal é uma atividade tradicional. Três das espécies (Genidens genidens, Cathorops spixii e Larimus breviceps) foram obtidas no mesmo dia da pescaria, doadas por pescadores locais que realizavam arrasto de praia em Santos. As outras duas espécies (Bagre marinus e Pellona harroweri) foram coletadas nas proximidades da Ilha do Perequê, em Guarujá.

"As três espécies capturadas em Santos estão amplamente distribuídas ao longo da costa brasileira, são frequentemente comercializadas em mercados de peixes e compõem o que chamamos de 'mistura' — um conjunto de espécies de menor valor comercial, mas amplamente consumido pela população", explica o artigo.

As amostras foram transportadas em caixas refrigeradas a 4ºC até o laboratório, onde foram imediatamente processadas. Após identificação das espécies e realização de medidas morfométricas — como comprimento total e massa corporal —, os peixes foram dissecados para extração de amostras de músculo (região da nadadeira dorsal) e fígado. Os tecidos foram então submetidos à análise por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC-MS/MS), técnica de alta precisão capaz de identificar compostos em baixíssimas concentrações.

Segundo os pesquisadores, o estudo preenche uma importante lacuna: "É a primeira vez que são relatadas as presenças de acetaminofeno e cafeína nestas espécies de peixes capturadas na costa brasileira. Além disso, é a primeira vez que quatro fármacos são identificados nos tecidos da espécie Cathorops spixii. A motivação do grupo foi justamente a ausência de estudos anteriores sobre a presença de fármacos e drogas ilícitas em peixes marinhos do estado de São Paulo, e os resultados obtidos tornam-se ainda mais relevantes diante do potencial de exposição humana secundária a essas substâncias, por meio do consumo de pescados contaminados.

"A presença de benzoilecgonina é um indicativo claro do consumo humano de cocaína, com posterior excreção da substância por meio da urina. A provável origem de todos os compostos detectados é a descarga irregular de esgoto doméstico, agravada pela ausência de tratamento eficiente, especialmente para a remoção de substâncias bioativas, que acabam sendo lançadas no mar por meio dos emissários submarinos", aponta a pesquisa.

Embora ainda não existam dados conclusivos sobre os riscos à saúde humana, os autores defendem o avanço de estudos nessa área: "Do ponto de vista da toxicologia humana, ainda são necessários novos trabalhos que investiguem os efeitos da exposição crônica a essas substâncias por meio da alimentação, mesmo em concentrações muito baixas".

A preocupação é crescente. "É importante considerar que estamos lidando com a ingestão contínua de substâncias farmacologicamente ativas através de um alimento amplamente consumido. Esperamos que este trabalho marque o início de novos estudos que abordem com mais profundidade o impacto da combinação destas substâncias sobre os organismos marinhos e sobre a saúde humana", afirma a Profa. Luciana.

Diante da relevância dos resultados, os pesquisadores já planejam expandir os estudos para outras áreas do litoral brasileiro, reforçando a importância do monitoramento ambiental e da ampliação do debate sobre o controle de poluentes emergentes, como fármacos e drogas ilícitas, nos ambientes costeiros. O estudo contou com a colaboração internacional do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR/CIMAR - Portugal)