Para comemorar o Carnaval, cantor e compositor santista explica a magia por trás da folia
Fernando Negrão tem 25 anos de carreira com muito samba no coração e em títulos das escolas de samba da região
27/02/2022 - domingo às 00h01O Carnaval no Brasil é comemorado de diversas formas dependendo da região. Quem nunca viu o Carnaval da Bahia? Ou até mesmo os desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo? Gostando ou não do evento, é muito difícil ao menos não conhecê-lo.
Mas do ano passado para cá, a folia não tem sido a mesma por causa da pandemia de Covid-19. Em 2021, desfiles de bandas, blocos e escolas de samba foram cancelados. Neste ano, várias cidades, inclusive da Baixada Santista e do Vale do Ribeira, decidiram adiar seus eventos durante o período, o que dividiu opiniões entre a população.
Mas não é porque os desfiles estão suspensos que não haverá Carnaval. E como Carnaval lembra samba, nada melhor que falar com alguém com experiência nesses dois assuntos. O cantor santista Fernando Negrão fala nesta Entrevista de Domingo do Portal BS9 - Litoral e Vale comenta sobre sua relação com a festa e de sua história como compositor de sambas-enredo. E, claro, fala também como tem sido lidar com a pandemia nesse momento de celebração.
1- Como começou sua ligação com o Carnaval e o mundo do samba, principalmente com as escolas da cidade?
Comecei no samba bem novinho. Desde 6, 7 anos já escutava muito samba enredo do Rio de Janeiro, principalmente nas fitas cassetes. E com 19, 20 anos ganhei meu primeiro concurso de samba enredo. Minha composição foi para a avenida com a Real Mocidade Santista, escola de Santos que virou minha escola do coração por causa disso. Foi onde eu comecei e ganhei meu primeiro samba, então eu tenho uma ligação muito forte com as escolas da cidade. De 2000 para cá, eu já ganhei mais de 40 sambas em Santos, e muitos deles fizeram as escolas se tornarem campeãs do Carnaval. Eu tenho samba praticamente em todas as escolas, poucas não têm um samba meu na avenida.
2- De que forma, o fato dos desfiles e festividades carnavalescas na região serem adiados, interferiu no seu trabalho?
Acho que interfere até na própria economia, pois as pessoas que estão de fora não entendem que isso movimenta muita coisa. Desde a senhora que vai vender no dia do desfile, costureiras, artesãos, artistas, músicos e compositores que ensaiam e que tocam. Então além de ser uma data muito tradicional para a cultura da região e do país, movimenta a economia, então causa um prejuízo.
3- Este ano com a confirmação próxima da data dos desfiles em Santos, você terá suas composições no sambódromo? Em quais escolas de samba?
Eu não tenho sambas meus na avenida este ano porque não concorri às disputas. A maioria ocorreu no meio da pandemia, quando eu estava indo para outro lado. Era época de eleições então eu fazia jingles políticos, estava atrás da sobrevivência, pois as casas noturnas não estavam funcionando e não estava com cabeça para concorrer com escola de samba.
4- Como você avalia o nível do Carnaval de Santos, em relação ao Brasil?
Acredito que a cidade tem uma tradição incomparável. Vejo quando vou ao Rio de Janeiro e falo que sou de Santos, o respeito que eles têm com o santista. O município tem uma tradição muito grande de samba e de Carnaval. Grandes músicos e compositores saíram daqui, então eles nos veem como uma potência. Plasticamente falando, estamos atrás, porque os recursos são incomparáveis aos que Rio e São Paulo têm, mas nosso Carnaval e alegria não perdem em nada.
5- São 25 anos de carreira, e nesta nova fase você também acaba de produzir jingles e músicas sob encomendas, em seu estúdio. Quais as novidades para 2022?
Muito da minha fonte de renda vem de produção musical, uma parte cantando em casas noturnas e outra parte compondo e fazendo peças publicitárias. Também faço trilha sonora para peça de teatro, ações comerciais e jingles políticos. O estúdio que utilizo é terceirizado, tenho um amigo que tem um home studio, e sempre que tenho produção, faço no local. E como teremos eleições neste ano, vai ter muita coisa com a minha produção.
6- Você se apresentou em um navio de passageiros nesta temporada 2022, e nele teve casos de Covid. Como foi a experiência em relação aos protocolos de segurança? Você aprova que a temporada de cruzeiros deva continuar no Brasil, ainda neste ano?
Sim. Fui contratado para cantar nessa temporada no MSC Splendida, e fiquei embarcado por apenas 16 dias. Era para ter ficado por toda a temporada, mas começou a ter alguns casos de Covid e finalizamos mais cedo. Muitos músicos estão no navio até agora. Eu e os músicos que me acompanharam resolvemos descer do navio, até porque tínhamos um trabalho forte aqui fora e achamos que a saúde mental já não estava boa por estarmos em quarentena trancados em uma cabine. No tempo que fiquei embarcado, só podia descer para uma “semi quarentena”, apenas para cantar e voltar correndo para a cabine. Recebia comida na porta, e isso não estava me fazendo bem, psicologicamente falando. O fato de não sabermos o que estava acontecendo do lado de fora e dentro do navio também não estava legal. Fui com três músicos para cantar de tudo, não só samba. A gente fez uma banda que contemplava vários gêneros musicais. Saímos antes do Réveillon, quando o navio voltou para Santos para sair alguns tripulantes que estavam infectados, nisso aproveitamos para pedir a dispensa.
Acho que a temporada, não sei se tem tempo hábil para isso, mas poderia continuar, porque aqui fora as coisas já estão melhores. Canto na noite e vejo que os lugares estão cheios, os estádios estão recebendo jogos de futebol então eu acho que os cruzeiros pelo menos tem um controle interno. Acho que não teria problema de continuar a temporada.
7- Como homem do samba e amante do Carnaval, o que se torna inesquecível para marcar um Carnaval de todos os tempos?
O que torna inesquecível é a diferença fazemos na vida das pessoas. Eu sou autor de sambas que ficaram muito conhecidos aqui em Santos, como o da União Imperial, que foi campeã em 2019, e falava sobre circo e palhaços. O samba do último título da X9, em 2017, também é de minha autoria, que fala sobre vários gritos: de guerra, da independência, dos excluídos etc. Isso acaba marcando a vida das pessoas, que sempre me lembram: "Poxa, Fernando, naquele teu samba no Carnaval eu estava assim”, “aquele foi o ano em que eu me casei”. E por consequência a gente acaba fazendo parte da vida delas, acho que isso nos torna inesquecíveis. O que me deixa muito feliz, faz parte da minha missão como músico, cantor e compositor.
8- E no Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro? Como você está participando e se foi convidado, neste ano, das escolas de samba, até porque você participou da coroação da Corte Real do Carnaval do Cacique de Ramos, evento que aconteceu em janeiro deste ano. Como é a emoção de participar nos grandes sambódromos?
Cantei no Cacique de Ramos, que é um dos mais famosos blocos de rua do Rio de Janeiro, mas eles têm uma sede onde nela, na década de 80, surgiram os maiores nomes do samba até hoje como Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto entre outros. Todos surgiram da roda do Cacique de Ramos. É um lugar mágico, um verdadeiro templo para nós sambistas, todos nós temos o maior respeito e sentimos uma energia muito grande quando estamos nessa casa. Cantei lá pela terceira vez e foi uma experiência mágica.
9- Você já assinou a composição de vários sambas enredo, alguns deles, inclusive, campeões. Tem algum que te marcou mais?
São tantos, eu posso citar o meu primeiro samba na avenida, que foi no Carnaval de 2000 com a Real Mocidade Santista, que é a escola do meu coração, onde eu comecei. É o primeiro, então marcou bastante. É difícil falar um, todos os outros foram bem importantes para mim, mas esse marcou mais por ser o começo de tudo.
10- Quais são, na sua opinião, as maiores diferenças no processo de composição de um samba e de um samba enredo?
No Carnaval você é obrigado a seguir uma sinopse, o enredo, então a escola determina qual o assunto e você escreve em cima. Tem que seguir uma ordem cronológica, então fica mais engessado. Além de ter data para entregar e prazo para escrever aquilo, dentro de normas já estabelecidas. Já o samba/pagode de meio de ano, como a gente fala, é mais livre. Resumindo, você pode deixar a inspiração fluir e no samba enredo é uma mistura de inspiração com transpiração.
11- O que você, que é nascido e criado em Santos, gosta de fazer no seu tempo livre, tanto na cidade como em alguma outra da Baixada Santista?
Em Santos o que costumo fazer mais é ir à praia. Como só trabalho com música, as vezes meus dias de semana são mais livres, então sempre estou fazendo minha caminhada na praia, que é minha higiene mental preferida e curtir a beleza da nossa cidade.