Copacabana Palace chega aos cem anos com história que se mistura à do Brasil
O contraste entre paisagem e ambição do projeto ilustra os riscos de fracassar que o Copa correu. Mesmo assim, o hotel chega agora ao seu centenário, com uma história que se mistura à do país, em um bairro que passou de semideserto a fervilhante
02/08/2023 - quarta às 14h46Há cem anos, não havia muito o que ver aqui. Quem abriu as janelas do Copacabana Palace para sentir a brisa do mar, no dia 13 de agosto de 1923, olhou para uma região ainda esvaziada: além da areia, havia árvores, poucas casas, pescadores.
Do lado de dentro, candelabros tchecos, carpetes ingleses, porcelanas francesas, móveis suecos, cristais de Baccarat -e hóspedes em apenas seis quartos para ver aquela pompa toda. Mesmo assim, eram mais de mil empregados.
O contraste entre paisagem e ambição do projeto ilustra os riscos de fracassar que o Copa correu. Mesmo assim, o hotel chega agora ao seu centenário, com uma história que se mistura à do país, em um bairro que passou de semideserto a fervilhante.
Foram os hóspedes que, ao longo das décadas, emprestaram sua fama ao Copa. Aqui, Orson Welles arremessou, da janela do quarto, sua máquina de escrever na piscina, a mesma onde a princesa Diana nadaria décadas depois numa noite quente de abril.
A lista de hóspedes inclui políticos, cientistas, músicos, escritores, nobres e plebeus. Seus nomes estão nas páginas amareladas de um documento histórico ao qual poucos têm acesso, o livro de ouro do hotel.
Nele, aparecem Santos Dumont, Walt Disney, Madonna, Nelson Mandela, e o agora rei Charles 3º, nos tempos menos glamourosos de príncipe. Também passou pelas suítes o rei Carol, da Romênia, que foi destronado na Segunda Guerra e chegou ao Copa com a amante e oito cães pequineses. A lista é enorme.
Nada mau para um hotel que poderia ter naufragado logo de cara. O Copa foi um projeto capitaneado por Octávio Guinle (1886-1968), concebido sob inspiração de hotéis da Riviera Francesa. A ideia tinha sido do então presidente Epitácio Pessoa, que queria um lugar para convidados da celebração do centenário da Independência se hospedarem.
Pessoa prometeu que Octávio poderia ter um cassino ali. Pouco tempo depois da abertura do hotel, o governo proibiu os jogos de azar. E agora, como pagar as garrafas de uísque?
Dez anos depois, com a autorização do governo Getulio Vargas, o cassino finalmente saiu, e o Copacabana Palace marcou a jogatina na velha capital -com seus grã-finos jogando roleta e carteado. A festa do pessoal do pano verde só durou até 1946, quando veio a nova proibição dos jogos.
Nesses dois momentos, os salões do Copa ajudaram a escrever a história da música brasileira.
Na época das roletas, os cassinos tinham orquestras e recebiam estrelas nacionais e de fora do país. Depois, viria a era das boates -o salão chamado de Meia-Noite, no hotel, é considerado a primeira do Brasil. Essas casas noturnas foram o ambiente ideal para o sucesso do samba-canção, uma história resgatada por Ruy Castro em "A Noite do Meu Bem".
O livro de Ruy é uma das principais obras a retratar um dos períodos mais intensos da história do hotel. Foi o auge de figuras como Jorginho Guinle, sobrinho de Octávio, que ostentou com orgulho o título de playboy e foi um dos símbolos do Copa. Ele e os amigos garantiam que não faltasse assunto para as colunas sociais.
"O Octávio e o Copa projetam o nome dos Guinle para a história. E, quando surgiu, o hotel era o sub negócio da família. Eles tinham a concessão do porto de Santos, um banco sólido, uma companhia de energia elétrica A hotelaria era um nada", diz o historiador Clóvis Bulcão, autor de "Os Guinle - A História de uma Dinastia".
Após a morte de Octávio, em 1968, o hotel foi se afundando em uma crise. Os anos 1980 costumam ser lembrados como um período de decadência -para se ter uma ideia, o Copa não tinha nem ar condicionado nos quartos, quando outros hotéis de luxo já tinham se instalado na zona sul. Em 1989, foi vendido para um grupo estrangeiro, que hoje se chama Belmond.
"Decadente é uma palavra forte, mas adequada", lembra Philip Carruthers, primeiro diretor-superintendente do hotel depois da saída dos Guinle, que só deixou o cargo em 2012. "As instalações estavam seriamente deterioradas. Ele não competia mais no mercado de luxo de hotelaria do Rio."
A estrutura física não era a única encrenca. Carruthers diz que, quando chegou ao Copacabana Palace, o turismo sexual era um problema para o mercado hoteleiro no Brasil: "Havia pacotes turísticos vendidos por empresas no exterior que incluíam uma semana no Rio com acompanhante -com estadia no Copa e em outros hotéis. O sujeito chegava ao aeroporto e tinha uma acompanhante lá".
O gatilho para resolver a situação veio em menos de dois meses, quando uma garota de programa, contratada por um turista alemão, se engasgou com uma espécie de placa dentária e morreu no chuveiro. O Copa proibiu visitas.
"Alguns clientes resistiam, diziam que tinham pagado um pacote. Eu precisei ter dois seguranças na porta do meu escritório. As ameaças de agressão física eram frequentes", diz Carruthers.
O hotel foi reencontrando seu prumo com a passagem dos anos e o seu folclore continuou a crescer. Ainda hoje, há quem lembre os copinhos de vodca para Hebe Camargo perto da piscina. Ou do dia, em um evento, em que Latino apareceu com um macaco.
"Uma vez me chamaram porque um hóspede tinha colocado um peixe gigante que comprou dentro da banheira", ri Andréa Natal, também ex-diretora.
Natal, que hoje dirige o Fasano em Nova York, era quem estava à frente do Copa nos primeiros meses da pandemia, quando a Covid-19 paralisou o turismo mundial. Ela se lembra de fechar o hotel no dia 10 de abril de 2020 e ficar morando lá -o outro único morador naquela época era Jorge Ben Jor.
"É um cara tranquilo. Montou um estúdio, tem um espaço grande, é um lugar perfeito para uma pessoa como ele. Ele conta que, quando era criança e passava pelo hotel com a mãe a pé, dizia que queria morar ali. É o Taj Mahal dele."
Jorge Ben foi parar lá durante uma reforma em seu apartamento original, mas até hoje não saiu. Os funcionários não falam sobre ele, mas às vezes o músico surge e cumprimenta hóspedes. Também não costuma tomar café da manhã no Pérgula, restaurante do hotel.
"O Copa é uma instituição", afirma o português Ulisses Marreiros, atual gerente geral. Sob o comando dele, o hotel está se preparando para o dia do centenário - até lá, a ideia é terminar reparos e a nova iluminação da fachada. Depois, no dia 17, vem um jantar seguido de festa, com show de Gilberto Gil.
A apresentação do baiano vai ficar para hóspedes que adquiriram um pacote. Mas a ideia é fazer uma celebração aberta ao público, no dia 26/8, com um show do DJ Alok na praia de Copacabana.
COPACABANA PALACE CONVIDA À VIDINHA DE HOTEL
Vidinha de hotel. Esse é uma espécie de bordão de Marreiros, que hoje comanda o Copa. Quer dizer mais ou menos o seguinte: em vez de ir bater perna pela cidade, o hóspede resolveu se entregar à preguicinha e aproveitar lá dentro mesmo.
Motivos não faltam. Eis aqui um passo a passo de como ocupar seu dia fazendo absolutamente nada.
Levante cedo. Se estiver numa suíte com vista para a praia, veja o sol nascer da janela.
Dá para ir até o calçadão ver aquele momento em que Copacabana, normalmente caótica, ainda está acordando e até os cachorros na rua parecem sonolentos. É só avançar mais um pouco para estar na praia.
Não vá ficar igual bobo olhando a paisagem e esquecer o café da manhã na Pérgula, um dos restaurantes do hotel.
Se a ideia for ficar de fato na areia, é importante ser franco: aquele ponto da praia está longe de ser o melhor. À esquerda, é mais agradável ir até o Leme; à direita, ir até o Forte de Copacabana ou cruzar até Ipanema.
Mas o Copa oferece serviço aos hóspedes na areia, o que compensa a situação. E, se a ideia for ficar na vidinha de hotel, o melhor é ficar por ali mesmo.
Se sol, sal e areia não for a sua, aí o negócio é aproveitar a piscina, pegar uma massagem no spa do hotel (prepare o bolso) e ficar de olho. Talvez você veja figuras folclóricas, como a socialite Narcisa Tamborindeguy, que é vizinha e frequentadora do Copacabana Palace -dizem que às vezes ela aparece com um megafone.
A capital fluminense por vezes ganha a fama -não de todo injustificada- de não estar entre os melhores destinos gastronômicos. Talvez o Copa seja uma das exceções. Lá dentro, o hotel tem dois restaurantes com uma estrela Michelin cada: o italiano Cipriani, comandado por Aniello Cassese, e o pan-asiático Mee, sob a batuta de Alberto Morisawa.
Os dois, naturalmente, estão abertos também para quem não é hóspede. Porém, na vidinha de hotel, ninguém vai precisar se locomover depois da comilança. Porque exige fôlego, viu?