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Saudades do futuro: o fim das utopias

Felipe Sampaio

05/06/2025 - quinta às 15h42

O futuro saiu de moda. Houve um tempo em que a sociedade parecia estar decolando para uma realidade melhor

 

Há duas décadas, em seu livro “Cartas a um Jovem Político”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já dizia que há questões de natureza geracional que precisam ser resolvidas pela geração a que pertencem. Na ocasião ele se referia especificamente ao efeito das redes digitais sobre o comportamento e os valores da juventude.

 

Vinte anos depois, em “A Geração Ansiosa”, o autor Jonathan Haidt alerta para a evolução desse quadro para um grau de “epidemia de transtornos mentais”, equivalente ao que nos mostrou recentemente a série “Adolescência”. A cabeça humana anda um tanto desarrumada.

 

Nesse sentido, foi bem ilustrativa a entrevista da apresentadora de TV Lívia Andrade após passar um perrengue aéreo, quando o trem de pouso do avião em que viajava travou na aterrissagem. No seu desabafo legítimo feito ao programa Fantástico, Lívia fez duas observações que parecem apontar mais um aspecto da era digital. O futuro saiu de moda.

 

Primeiramente, a apresentadora declara algo como “fiz minhas orações e graças a Deus o trem de pouso funcionou”, sem que o Fantástico fizesse menção às providências decisivas do piloto. Na verdade, da piloto Nayane Porto, de 23 anos, cuja iniciativa e equilíbrio na cabine salvaram a vida dos passageiros e da tripulação. Longe de mim negar que Deus resolva dar uma ajudinha a quem madruga, mas quem botou a mão na massa mesmo naquele pouso foi a comandante Nayane e seu copiloto. Por fim, Lívia concluiu, como lição do episódio, que daqui para frente vai viver o hoje mais intensamente, porque ninguém sabe se haverá um amanhã.

 

Temos de dar um desconto a Lívia pelos momentos de estresse que ela vivenciou. Mas, vale considerar que, “curtir o agora” não é exatamente o resultado que Papai do Céu espera em troca do seu esforço sagrado para impedir que um avião despenque. Normalmente, a expectativa divina seria de uma transformação mais estrutural e de longo prazo da parte do agraciado.

 

O mais importante é que, ao enfatizar a ideia de que o que importa é viver o agora com maior intensidade e prazer, a reportagem está apenas refletindo (ou incentivando?) o ângulo de visão atual da humanidade sobre o futuro (ou a ausência dele). O entusiasmo de Lívia, além do seu alívio natural de escapar de uma tragédia, é a reprodução – comum atualmente – de uma cultura disseminada deliberadamente por atores predominantes na economia e na política, seja através da publicidade, seja nas redes digitais, ou mesmo pela mídia tradicional, incluída aí a própria imprensa (muitas vezes desatenta às sutilezas que lhe embutem nos jabutis subliminares do noticiário).

 

Não dá para dizer que capitalismo é pecado, tampouco que os mercados não merecem o reino dos céus. Contudo, não é exagero pensar que a apresentadora Lívia, sem notar, deixou um alerta importante para os telespectadores que conseguirem percebê-lo: Seja qual for a gravidade dos problemas enfrentados pelas pessoas, a ordem do dia é curtir o momento (com tudo que o consumo possa proporcionar). O resto, Deus resolve.

 

Por sua vez, a partir do mesmo episódio, a jovem comandante Nayane nos deixa um ensinamento valioso. Para superar dificuldades e enfrentar o inesperado ainda precisamos ser capazes de interpretar nosso contexto, sabermos onde queremos chegar, tomarmos decisões acertadas, conhecermos as nossas alternativas e agirmos coletivamente.

 

O futuro saiu de moda. Houve um tempo em que a sociedade parecia estar decolando para uma realidade melhor, sabendo onde queríamos aterrissar. Tomara que a menina Nayane continue atenta à sua bússola sem se distrair – como a humanidade – com luxos e likes. Como dizia o governador de São Paulo Adhemar de Barros, “Fé em Deus e pé na tábua”.

 


Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; dirigiu o Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; foi diretor do sistema de estatísticas do Ministério da Justiça; atuou em grandes empresas e 3º setor; foi empreendedor em mineração.

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