Claudinéli Moreira Ramos
11/05/2025 - domingo às 00h01
Na análise política contemporânea, consagramos dois marcos iniciais como os mais positivos e favoráveis para um novo titular do Poder Executivo implementar sua agenda: os primeiros cem dias e os primeiros seis meses.
É esse período, em que a animação da vitória influencia a boa vontade dos diversos interlocutores e da população em geral, que tende a ser mais fácil e mais oportuno anunciar medidas estruturantes não tão populares ou mesmo decisões políticas difíceis e impopulares, tidas como muito necessárias ou estratégicas.
Considerando que o primeiro período terminou em 10 de abril e que faltam menos de dois meses para o encerramento do segundo nas gestões municipais eleitas em 2023, vale conferir um breve roteiro para auxiliar a avaliar cada prefeito ou prefeita atualmente no poder, contendo dez questões estratégicas e transversais aos macrotemas da agenda mais convencional – Saúde, Educação, Segurança, Habitação, Cultura, Desenvolvimento Econômico e Social etc.
Compreender como a autoridade máxima do Poder Executivo de cada município começou a responder a cada um dos desafios a seguir é o primeiro passo para avaliar quem saiu na frente na apresentação de alternativas e soluções para alguns dos principais dilemas capazes de comprometer o sucesso das políticas públicas no país.
Construindo eficiência interna
1. Serviço Público: A primeira questão escapa da compreensão da maioria das pessoas, que desconhecendo a dinâmica da máquina pública, com frequência criticam generalizadamente seu tamanho e falta de agilidade. A questão é: entre servidores, terceirizados, funcionários de Organizações Sociais e de Organizações da Sociedade Civil (em contratos de parceria), bolsistas e participantes de programas sociais de inclusão produtiva, entre outros, a Prefeitura já conseguiu dimensionar e tomar medidas para viabilizar, dentro dos limites prudenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal, a força de trabalho que será necessária para colocar seu programa de governo em ação? Quem vai fazer de fato aquilo que foi prometido na campanha? Como está sendo ou será feita a qualificação e o engajamento desse público para o alcance dos resultados pretendidos?
2. Contratações Públicas Estratégicas: O funcionamento da Administração requer uma série de grandes contratos continuados que, na maioria das vezes, são formalizados por meio de pactuações de longa duração (transporte público, energia, saneamento, coleta e tratamento de resíduos, limpeza urbana, serviços bancários etc.). Já foram examinadas as cláusulas e prazos das contratualizações vigentes, pensando, simultaneamente, na segurança jurídica das avenças e das entregas, mas também em adequações eventualmente necessárias, sobretudo considerando possíveis decursos contratuais em vista?
3. Compras Públicas Sustentáveis: A qualidade do gasto público também depende da lisura e agilidade de procedimentos para viabilizar as compras públicas. Isso requer planejamento e previsibilidade das demandas, por meio de séries históricas consistentes e da otimização de fluxos de aquisição e consumo, entregas e estoques, além de integração dos controles e transparência. A Prefeitura tem os dados certos para não desperdiçar tempo nem recursos? Utiliza isso para fortalecer a economia local? (E em que medida dispõe de mecanismos ágeis para adquirir bens e serviços pontuais de arranjos produtivos locais, estimulando o empreendedorismo, a formalização de micro e pequenos negócios e o cooperativismo, para incentivar a geração de trabalho e renda e a economia na cidade?)
Construindo resiliência
4. Políticas de Cuidado com as Pessoas: Muito se fala hoje em dia em gestão baseada em evidências. No entanto, ainda é comum a inexistência de bases de dados estruturadas e continuadas e a ausência de pesquisas sistemáticas que auxiliem o Governo Municipal a conhecer direito quem são, como vivem, o que necessitam e desejam seus cidadãos e cidadãs e como essas pessoas podem colaborar entre si e com as políticas públicas. Que informações a Prefeitura têm e até que ponto ela conta com ou já começou a realizar levantamentos de dados estruturados, segundo metodologias consistentes e testadas, e a utilizá-los como insumo para a tomada de decisão, na estruturação das principais políticas municipais, que, conforme a realidade local, podem envolver temas que vão desde o enfrentamento à violência contra mulheres, crianças ou idosos, até a elaboração de planos de salvaguarda e contingência relacionados a riscos de eventos climáticos extremos (alagamentos, secas, incêndios, etc.), entre outras demandas?
5. Adaptação Climática: Preservação ambiental, restauração ecológica e garantia de qualidade da água são algumas das medidas internacionalmente apontadas para reduzir os efeitos da emergência climática e seus consequentes danos socioeconômicos gravíssimos nas próximas décadas. Iniciar medidas corretas e integradas, envolvendo recuperação de áreas degradadas, proteção de mananciais e estímulo à economia circular, poderá permitir que seus efeitos sociais, de saúde, econômicos e de qualidade de vida tenham chance de começar a aparecer logo, além de reduzir os riscos de problemas derivados das mudanças climáticas e de ter potencial para fortalecer áreas como Turismo, Agricultura Sustentável, produção de energia e outros. Quais ações estão sendo desenvolvidas nessa direção?
Melhorando a capacidade de produzir riquezas e influências
6. Integração Regional e Setorial: Em todos os Estados, é possível identificar a carência de recursos para o enfrentamento de problemas comuns que assola municípios de diferentes regiões. Da contratação de georreferenciamento para regularização fundiária ao planejamento integrado para o desenvolvimento de vocações turísticas, comerciais e de outros setores produtivos regionais, muitos são os campos em que a atuação conjunta pode diminuir despesas e ampliar o alcance dos recursos empregados. Como cada Prefeitura se envolve para construir essa integração e melhorar a negociação com outros entes federados, a atração de grandes parceiros externos ou a negociação com fornecedores de interesse comum? O Município articula e se empenha pelo funcionamento de um consórcio, frente intermunicipal ou outro arranjo regional para ampliar sua força, abrangência e visibilidade?
7. Mapeamento de Fontes e Diversificação da Alavancagem de Recursos: Em um cenário que concilia a existência de diferentes fontes de recursos (públicas e privadas) para diversos tipos de iniciativas voltadas ao interesse público, com grande desconhecimento sobre como acessá-las, o que a Prefeitura faz para mapear as oportunidades disponíveis e para ampliar suas chances de conquistar apoios (financeiros, de RH, capacitações e outros)?
8. Educação Integral: Um dos consensos em torno da 4ª Revolução Industrial é a necessidade de aprimorar a educação das pessoas, sobretudo os mais jovens, a partir de ciclos formativos de tempo integral. Como a Prefeitura lida com a preocupação de assegurar a qualidade da experiência pedagógica e a diversidade de repertórios de conhecimentos e vivências oferecidas a crianças e adolescentes, sobretudo considerando o período integral?
9. Geração de Trabalho e Renda por meio de Empregos do Futuro: Os chamados postos de trabalho e renda do futuro são previstos principalmente nas áreas da Economia Criativa, Economia Digital, Economia Verde, Economia Prateada e Economia do Cuidado. Que parcerias ou projetos estão sendo desenvolvidos para preparar a população para essas áreas, envolvendo especialmente pessoas que necessitam realizar transição de carreira (porque seus cargos e funções foram ou logo serão eliminados pelo desenvolvimento tecnológico) e pessoas em situação vulnerável?
10. Parcerias para viabilizar a Pesquisa, o Desenvolvimento e a Inovação: Ante as necessidades de ampliar a qualidade dos serviços públicos e o tratamento dos dados e informações correlatos, de maneira a torná-los subsídios para as instâncias decisórias, a parceria com universidades e centros de pesquisa surge como uma oportunidade de estabelecer uma nova dinâmica de pesquisa, ensino e extensão, capaz de ser muito útil, tanto para o desenvolvimento e implementação de soluções inovadoras, quanto para a formação e capacitação dos futuros profissionais. O Município já está atento e atuando nessa direção?
É certo que as questões formuladas não figuram entre as demandas mais imediatas e populares, na maioria das cidades brasileiras. Quem ainda não avançou em um ou mais dos pontos acima indicados tem ainda mais três meses para encerrar a “fase de lua de mel” com eleitores e seus grupos de influência, e tentar emplacar medidas que poderão fazer a diferença ao longo do seu mandato. Ao mesmo tempo, quem despontar mais rápida e consistentemente nessa agenda, terá mais chances de produzir resultados bem-sucedidos dentro do atual ciclo de quatro anos, saltando na dianteira da construção efetiva de desenvolvimento social e econômico sustentável de médio e longo prazos. Quanto mais avançarmos em conjunto nessa direção, melhor será para cada cidade e melhor será o Brasil que vamos construir e cultivar.
Claudinéli Moreira Ramos
Doutora em Cultura e Informação pela ECA-USP, presidente do Conselho de Administração da Fundação Energia e Saneamento e professora da PUC-SP.
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