Felipe Sampaio
05/05/2025 - segunda às 16h17
O 267º Papa da Igreja Católica terá que manter “um olho na missa e outro no padre”. O dilema mais uma vez é moral e político: para que serve a Igreja e o Papa? O filme “Conclave” coloca essa questão logo de início, quando o Cardeal Lawrence, personagem que coordena o certame fictício, confessa estar perdendo sua fé “não em Deus, mas na Igreja”.
Lawrence se refere ao cumprimento dos princípios fundantes do catolicismo, em contradição com a realidade humana predominante ainda hoje, tomada pela guerra, a pobreza e a corrupção. O mesmo questionamento já havia sido levantado em filmes anteriores, como o clássico As Sandálias do Pescador e a minissérie João XXIII – O Papa da Paz.
A Igreja Católica alavancou sua influência e poder a partir do Concílio de Nicéia (325d.C.), patrocinado pelo imperador romano Constantino – O Grande. Roma encontrou no cristianismo a doutrina ideal para garantir a unidade, a paz e o controle social no império romano espalhado mundo afora. O evento ‘oficializou’ as teses do catolicismo, seus princípios, a estrutura da Igreja e a própria condição divina de Jesus ao lado do Deus Pai e… do Espírito Santo (que, francamente, ninguém consegue entender quem é).
A Igreja sobreviveu à decadência romana. Consolidou-se administrativa e economicamente em diversos reinos europeus, por meio de alianças com os mais diferentes soberanos locais, mantendo seu comando centralizado sob o Papa de Roma. Durante a Idade Média os Papas expandiram seu poder e o patrimônio da Igreja por meio de saques de riquezas, apropriação de terras e cobranças de impostos durante as Cruzadas. Em algumas regiões chegou a defender seus interesses à força, por meio de mercenários e tropas próprias, como os Templários.
Na Europa, cobrava aluguéis, prestava serviços bancários e de segurança às Cortes por meio das suas organizações financeiras e militares. A Igreja tornou-se também detentora do monopólio das artes, da educação e das ciências. Recebia doações em dinheiro, ouro, prata e terras. Na mesma época, fundou uma espécie de ‘programa de milhagem’ sagrado, com a venda antecipada de pacotes de viagem para o Céu (as chamadas ‘indulgências’) que incluía o perdão dos pecados.
No século XV chegou a haver três Papas simultâneos – Roma, Pisa e Avignon – por causa de disputas entre monarquias europeias (Guerra dos 30 Anos) que se resolveram com a partilha de colônias ultramarinas e outras posses. Em seguida, os Papas viram-se ameaçados pala Reforma Protestante que condenava a corrupção, a opulência, a concentração de poder e outros abusos católicos.
Já em 1958, a eleição do franciscano Ângelo Roncalli (Papa João XXIII) levou a uma abertura da Igreja Católica, suas estruturas e seus ritos, reaproximando-a de temas como a paz e a desigualdade social, em plena Guerra Fria, no clima do Concílio Vaticano II, por “um papel mais participativo da fé católica na sociedade, com atenção para os problemas socioeconômicos”. Nessa esteira, vieram correntes como a Teologia da Libertação.
Agora, após um papado do progressista Francisco, o novo Papa precisará ser conciliador para preservar sua Igreja. Países com população católica expressiva na América Latina e África vivem um crescimento das denominações evangélicas, com doutrinas mais reacionárias e pragmáticas. Nos EUA e Europa cresce a tendência dos “sem religião”, uma geração descrente da capacidade das religiões de atender à agenda de interesses da sociedade contemporânea.
Nesse fogo cruzado, o Papa terá que agradar desde públicos avançados como ambientalistas e LGBTQIA+ até os mais conservadores (e, de quebra, atrair os desinteressados), se quiser escapar da perda de influência e da redução de receitas com dízimos de fiéis, doações políticas, faturamento das instituições de ensino católicas e de outros retornos de investimentos da Igreja.
Felipe Sampaio: atuou em grandes empresas, organismos internacionais e 3º setor; foi empreendedor em mineração; cofundador do Centro Soberania e Clima; dirigiu o Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; foi diretor do sistema de estatísticas do Ministério da Justiça, é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Emrpeendedorismo.
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