Felipe Sampaio
23/10/2025 - quinta às 11h58
O momento oferece uma oportunidade para que o Brasil atualize seus Planos de desenvolvimento do segmento mineral e de novas tecnologias
Na minha infância não perdia um episódio da comédia militar “Guerra, Sombra e Água Fresca”, na qual oficiais americanos presos em um campo de concentração na II Guerra viviam passando a perna em seus carcereiros alemães. Anos mais tarde, os americanos laçaram “MASH”, outra comédia de guerra que satirizava as desventuras dos EUA no Vietnam.
Na vida real, o general americano George Patton também parecia se divertir em meio a combates. Dizia que nenhuma criação das civilizações humanas supera a grandiosidade da guerra. Pessoalmente, prefiro apostar as minhas fichas em atividades produtivas como a medicina, a agricultura e a mineração.
Patton tinha fascínio pelo front. Como acreditava em reencarnação (especialmente na dele), vivia relembrando vidas passadas, em batalhas gloriosas, desde Roma, Cartago e Cruzadas até as guerras napoleônicas. Na última passagem pela Terra (se é que já não reencarnou) foi de fato o maio líder militar da II Guerra Mundial. Referia-se à guerra como uma “destruição criativa”, que estimula os avanços científicos e morais da humanidade. Não explicou, porém, como tais benefícios compensariam quase 100 milhões de vítimas apenas no século XX.
Enquanto isso, a produção de minérios, por exemplo, provia os materiais que possibilitaram a evolução do modo de vida humano (inclusive da guerra). Podemos até imaginar que a guerra e a mineração nasceram juntas, quando algum homem das cavernas inaugurou ambas de uma vez ao catar uma pedra e jogá-la em um desafeto.
De lá para cá, o setor mineral decolou. O problema é que sua pegada ambiental cresceu ainda mais rapidamente do que as tecnologias de contenção dos impactos sobre a natureza. O porte colossal da atividade em si, turbinado pelo salto da demanda na era industrial, desencadeou uma corrida desigual entre a atratividade econômica e a sustentabilidade do negócio.
No caso brasileiro, passando-se uma vista ligeira em publicações do Banco Mundial, IBRAM, McKinsey, ANM e outras fontes, é fácil notar que a mineração se encontra agora em um ponto de inflexão, com oportunidades valiosas e desafios importantes. Vale a pena destacar que a Terra da Santa Cruz é abundante em recursos minerais, com predominância de uma matriz energética renovável, biomas fragilizados e grande potencial de ganhos de produtividade face aos avanços tecnológicos.
Acontece que a mineração é um negócio de longo prazo em todas as suas etapas, desde a prospecção de jazidas até a extração industrial anos depois, passando pelo licenciamento ambiental, estudos de viabilidade econômica, a pesquisa mineral in loco e a lavra experimental (sem falar no esforço de captação de investimentos na casa dos seis dígitos). No reino mineral, tudo demora e custa caro. Enquanto isso, no curto prazo, a mudança climática galopante, somada ao reordenamento geopolítico global, aumenta o grau de incerteza dos investimentos, alargando a fenda entre os lucros e os impactos no meio ambiente.
O setor não dá conta sozinho da tarefa, que exige instrumentos compatíveis com o caráter matematicamente caótico dessa combinação de eventos econômicos, políticos e ambientais no entorno da mineração. O momento oferece uma oportunidade para que o Brasil atualize seus Planos de desenvolvimento do segmento mineral e de novas tecnologias, colocando na prancheta a solução do grande passivo brasileiro no mapeamento geológico, considerando os mercados de materiais críticos, assim como a adaptação do setor mineral às mudanças climáticas. Se quisermos ter “sombra e água fresca” no futuro, a mineração pode ser uma saída.

Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas, terceiro setor e organismos internacionais; foi empreendedor em mineração; dirigiu a área de estatísticas do Ministério da Justiça; ex-diretor do Instituto Pandiá no Ministério da Defesa; foi subsecretário de Segurança Urbana do Recife.
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