Sábado, 27 de Dezembro de 2025

DólarR$ 5,41

EuroR$ 6,34

Santos

27ºC

Direito Econômico e a valorização do salário mínimo: uma crítica à ortodoxia fiscal

Adami Campos

26/12/2025 - sexta às 18h04

Salário não é apenas custo; é peça do motor do desenvolvimento.

 

O editorial veiculado pelo jornal O Estado de S. Paulo, sob o título “A aposta leviana no salário mínimo”, constitui um documento exemplar da persistência do retrogrado pensamento econômico ortodoxo e avesso ao liberalismo real que vigora no debate público brasileiro. Ao qualificar a política de valorização real do salário mínimo como uma “aposta leviana” e um “erro primário”, o texto não apenas ignora os fundamentos de uma macroeconomia aplicada e empírica, como também advoga, sob o manto de uma suposta responsabilidade fiscal, o desmantelamento dos pressupostos materiais da Constituição Econômica de 1988.

 

A análise econômica mencionada no recente editorial do Estadão reitera um dogma persistente, porém empírico e teoricamente fragilizado, do pensamento liberal clássico: a visão do salário estritamente como custo de produção. Ao condenar a política de valorização do salário mínimo sob o pretexto do “equilíbrio fiscal” e do risco inflacionário, o texto incorre no que Keynes identificou como a incapacidade de compreender a natureza macroeconômica dos agregados. A premissa de que a contenção salarial gera saneamento das contas públicas ignora o princípio da Demanda Efetiva. Em uma economia capitalista, o salário não é apenas um passivo contábil para as firmas ou para o Estado; ele é o componente fundamental da renda das famílias e, consequentemente, o motor do consumo que valida as decisões de investimento.

 

A crítica central ao editorial reside na falácia da composição. O que pode parecer racional para uma empresa individual (reduzir custos salariais para aumentar a margem) é desastroso quando aplicado à economia como um todo. A compressão da massa salarial, defendida implicitamente pela crítica à indexação do orçamento, reduz a propensão marginal a consumir da classe trabalhadora — justamente o estrato social que converte quase a totalidade de sua renda em consumo imediato. Ao deprimir a demanda agregada, a política de austeridade salarial desincentiva o investimento privado (que depende da expectativa de vendas futuras) e, ironicamente, corrói a base de arrecadação tributária, agravando o déficit que se pretendia combater. Portanto, a política de valorização do salário mínimo não é um “populismo fiscal”, mas um mecanismo indispensável de estabilização do ciclo econômico e de manutenção do fluxo de renda.

 

A experiência internacional contemporânea oferece um vasto repositório empírico que refuta as previsões catastróficas da ortodoxia brasileira. A Alemanha, bastião da prudência fiscal na Europa, introduziu um salário mínimo estatutário em 2015 (Mindestlohn), contrariando décadas de resistência empresarial. Ao contrário das previsões neoliberais de desemprego em massa, a medida fortaleceu o mercado interno alemão, reduzindo a dependência excessiva das exportações e sustentando o nível de emprego através do efeito multiplicador da renda. A Alemanha compreendeu que a competitividade não pode se basear na precarização (“dumping social”), mas sim na produtividade induzida por uma demanda robusta.

 

Outro exemplo paradigmático é o da Espanha sob a atual coalizão progressista. Desde 2018, o país realizou aumentos agressivos no Salário Mínimo Interprofissional (SMI), elevando-o em mais de 50% em um curto período. A ortodoxia, tal qual o editorial em questão, previu o colapso do emprego. O resultado, todavia, foi o oposto: a Espanha liderou o crescimento na Zona do Euro no período pós-pandemia, com redução histórica do desemprego. A transferência de renda para a base da pirâmide dinamizou o setor de serviços e o comércio local, provando que o aumento do poder de compra atua como um “colchão” anticíclico. Até mesmo nos Estados Unidos, a administração Biden, ao buscar fortalecer o poder de barganha laboral e defender o aumento do piso salarial, reconhece que a era do trickle-down economics (a ideia de que a riqueza “goteja” do topo para a base) falhou. A prosperidade econômica é construída “from the middle out and the bottom up” — uma tradução política direta da ênfase keynesiana na demanda.

 

Sob a perspectiva do Direito Econômico, a Constituição de 1988 não consagra a austeridade como fim em si mesmo, mas a valorização do trabalho e a dignidade humana como fundamentos da ordem econômica. A insistência na desindexação do salário mínimo em relação ao orçamento público reflete uma inversão de hierarquia constitucional, onde metas contábeis de curto prazo se sobrepõem aos objetivos estruturantes da República. A Constituição Federal não estabelece a estabilidade monetária ou o superávit primário como fins últimos da República, mas sim a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades. O salário mínimo é um instituto jurídico de garantia do “mínimo existencial”, e sua vinculação aos benefícios da seguridade social é uma trava de segurança contra a erosão inflacionária da dignidade humana. A proposta de desvinculação (desindexação) representa uma tentativa de reformar a Constituição por via oblíqua, subordinando os direitos sociais aos imperativos do rentismo financeiro. O que o texto chama de “gambiarras” do governo são, na realidade, tentativas de manter de pé o pacto social em um cenário onde o teto de gastos e o arcabouço fiscal funcionam como mecanismos de contenção da soberania popular sobre o orçamento.

 

Em suma, a tese sustentada pelo editorial do Estadão é anacrônica e desprovida de suporte empírico nas economias avançadas ou mesmo em desenvolvimento. A valorização do salário mínimo, ao expandir a demanda efetiva, gera incentivos para que as empresas invistam em tecnologia e produtividade, em vez de sobreviverem à custa de baixos salários. O caminho para o desenvolvimento nacional e para a solidez fiscal de longo prazo exige o abandono do rentismo estéril e a adoção de uma política salarial que reconheça o trabalhador não como um custo a ser minimizado, mas como o agente dinâmico indispensável à circulação da riqueza e ao crescimento econômico sustentado.

Deixe a sua opinião

Últimas Notícias

ver todos

SP

Governo de SP sanciona lei que isenta IPVA para motos de até 180 cilindradas

BRISAMAR

Clientes do Brisamar Shopping podem iniciar 2026 de carro novo

POR DENTRO DA POLÍTICA DA BAIXADA SANTISTA

Novo decreto padroniza emissão de atestados médicos em Itanhaém

2
Entre em nosso grupo