Felipe Sampaio
07/08/2025 - quinta às 12h33
As capacidades do mercado de interpretar a realidade e influenciar uma prosperidade sustentável
O fim do mundo saiu de moda. Setores econômicos expressivos estavam avançando no seu compromisso socioambiental. O ESG (Ambiental, Social e Governança) vinha mostrando uma conscientização do andar superior do PIB com os impactos da mudança climática sobre os negócios e a natureza. A novidade estava no “G” e significava que o cuidado social e ambiental seria incorporado aos valores fundantes do setor privado, indo além do greenwashing.
No entanto, em tempos de tarifaço o fim do mundo pode esperar. Pelo menos, é assim que pensa o mercado. A bem da verdade, nada de novo no front capitalista. Os conflitos comerciais são parte da busca normal por lucro. Como se não bastasse, várias dessas disputas ganham alcance geopolítico com ameaças militares. Contudo, Trump conseguiu botar mais pimenta nesse vatapá global.
A Europa estava na frente na corrida pelo novo normal dos negócios. Segundo um estudo de 2023 da PricewaterhouseCoopers – PwC, cerca de 60% dos ativos de fundos mútuos de investimento europeus estariam em carteiras baseadas em princípios ESG até 2025 (US$10 trilhões só na Europa). Em outros países, como os Estados Unidos, o ESG ainda enfrentava resistência entre os acionistas ávidos por dividendos e os CEOs motivados por bônus anuais expressivos (todos atentos ao curto prazo).
Bem ou mal, os mercados – e seus governos – vinham acordando para aquilo que o Secretário-Geral da ONU Antonio Guterres chamara de “extermínio em massa” ou de “caos climático irreversível”, quando não haverá mais lucro, bônus, empresa nem mercado.
A guerra da Ucrânia jogou um balde de água fria no aquecimento global, esquentando o clima entre russos e europeus. Trocou-se o debate climático pela corrida armamentista e a retomada da matriz energética não renovável. Depois disso, só a OTAN demonstra alguma importância enquanto organismo multilateral. A ONU, cada vez mais escanteada desde o fim da Guerra Fria, perdeu ainda mais voz e voto durante a crise de Gaza. Agora é cada um por si.
O tarifaço de Trump atingiu em cheio os mecanismos do mercado globalizado, baseado na indústria, no agro, petróleo e no sistema financeiro convencional. É um tiro de misericórdia no modelo de economia mundial pós Segunda Guerra. As ameaças ianques põem em dúvida a lealdade interna entre os membros de blocos como União Europeia, Mercosul, BRICS, ALCA, G7, G20 e OMC, fragilizando inclusive a confiança entre aliados históricos como Rússia e China, sobrando balas perdidas para o Brasil e a Índia.
Às vésperas de uma COP30 na Amazônia, setores políticos antiquados mundo afora correm para raspar o tacho da velha economia, amparados por um balaio tecnológico anarcodigital (acham-se pioneiros da Nova Era). Sejamos francos, o que persiste, mesmo entre as big techs, ainda são os valores colonialistas do século XV, guiados pela desigualdade social e devastação da natureza – progressivamente turbinados pela pólvora, pelas caravelas, pela máquina a vapor, eletricidade, comunicações, internet e agora pela IA. A situação está mais para um esgotamento de um velho modelo do que para o surgimento de algum novo paradigma disruptivo. O que vemos no futuro é o passado.
A Terra é um organismo vivo, em permanente transformação. Enquanto continuamos passando boiadas, em meio a guerras e tarifaços, a natureza não dá mostras de se comover com as distrações humanas rudimentares. Nesse cenário, o ESG ainda representa as capacidades do mercado de interpretar a realidade e influenciar uma prosperidade sustentável.
Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e 3º setor; foi empreendedor em mineração; ex-diretor do Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas do Ministério da Justiça; foi secretário executivo de Segurança Urbana do Recife.
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